OS ECRÃS DA POLÍTICA
Dezembro 08, 2015
J.J. Faria Santos
Imagem: courtesy of www.bertc.com
Paulo Rangel lamenta no Público, referindo-se a António Costa, “a exibição da vida familiar na imprensa cor-de-rosa e até na posse do Governo”, considerando que isso contraria “a habitual e salutar discrição dos políticos portugueses”. Como acontece com alguma frequência, Rangel, que pensa e escreve com inteligência e assertividade, resvalou para o extremismo que tanto critica nos outros, sucumbindo à armadilha do duplo critério. Ter-se-á esquecido de como o ex-primeiro-ministro, que começou por pedir reserva noticiosa sobre a doença da mulher, acabou por caucionar um livro hagiográfico onde Laura Ferreira fala de como o cancro “atira o ânimo para uma gruta escura” e do seu humano medo de morrer? E, porventura, terá apagado da sua memória a imagem do casal Aníbal e Maria Cavaco Silva em caminhada gloriosa para a tomada de posse acompanhado por filhos e netos?
Na mesma revista cor-de-rosa onde, para desagrado de Rangel, António Costa se deixou fotografar com a família no Palacete Chafariz D’El Rei, Marcelo Rebelo de Sousa explicava pedagogicamente que “não há nada na Constituição que obrigue a que haja uma primeira-dama”. O Professor (como escreveu com algum humor Rui Tavares: “Marcelo Rebelo de Sousa, que tem um doutoramento, é o ‘Professor Marcelo’. Mas António Sampaio da Nóvoa, que tem dois doutoramentos, é simplesmente ‘Sampaio da Nóvoa’”) em campanha televisiva permanente há década e meia aparenta estar em cavalgada imparável para Belém, graças a uma estratégia imaculada (que já remeteu Cavaco para o passado e cortou cerce as ilusões da sua família política quanto a eleições antecipadas tout de suite) e à cumplicidade emocionada ou ao desinteresse imediato pelas presidenciais demonstrada pela generalidade da comunicação social. Depois do Presidente do bolo-rei vamos ter o Presidente do leitão.
Depois de Octávio Ribeiro se ter oferecido para explicar a Miguel Sousa Tavares o que é jornalismo de investigação, a minha expectativa em relação ao desempenho profissional do Correio da Manhã disparou até à estratosfera. Seguiu-se a manchete em português comum (o jornalismo é para o povo, não é para as elites!): “Costa chama cega e cigano para o Governo”. Parece estar em falta a preta. Curiosamente, no corpo da notícia, a cega passa a “invisual”, faz-se referência ao “advogado que sempre se orgulhou da origem cigana” e à “ministra negra”. Tirando questões de gosto, nada de particularmente ultrajante ou revolucionário. Já o mesmo não pode ser dito da divulgação, por parte da CMTV, de imagens e áudio dos interrogatórios a Miguel Macedo e Jarmela Palos. Parece que tendo os intervenientes do processo, incluindo os assistentes, acesso aos registos, a CMTV encontrou no interesse público o pretexto ideal para violar a proibição legal da sua divulgação. Já não estamos no simulacro benevolente do “Juiz Decide”; acedemos gloriosamente ao patamar da investigação aberta, do reality show do enxovalho dos “poderosos”. Já faltou mais para a justiça do televoto. Esperemos que este comportamento asqueroso e repelente seja severamente sancionado. E se alguém nos vier acenar descaradamente com a ladainha da liberdade de imprensa terá como resposta gargalhadas de escárnio.