O XERIFE DE UM DOS FAROESTES MAIS SEGUROS DO MUNDO
Dezembro 01, 2024
J.J. Faria Santos
Em Janeiro de 2023, Luís Montenegro interpelava António Costa, então primeiro-ministro, nos seguintes termos: “Deixe-se de habilidades, de truques, de subterfúgios, de andar a minar a comunicação social com questões laterais, deixe de ter uma máquina a mandar lama para os seus adversários. Governe a favor das pessoas, governe a favor do crescimento da economia e da transformação dos nossos serviços públicos para servirem os nossos cidadãos.” O líder do PSD parece ter interiorizado que o sucesso político de Costa se deveu a uma eficiente máquina de propaganda pelo que chegado ao poder tratou de mimetizá-lo. O apogeu desta “estratégia” foi a comunicação ao país, em horário nobre e com ministros e chefias das forças de segurança em parada, que se revelou um relatório preliminar da Operação Portugal Sempre Seguro (e não, este não é o nome do movimento de apoio à candidatura de António José Seguro à Presidência da República).
As reacções foram generalizadamente negativas e até o PSD terá ficado “perplexo”. António Barreto, no Público, chamou-lhe “uma operação quase imoral de propaganda e dissimulação”, protagonizada pelo primeiro-ministro e por um “bouquet de autoridades”. No mesmo jornal, João Miguel Tavares considerou que “o que se passou foi apenas patético”, mas passível de provocar um “dano” assinalável na imagem de Montenegro, porque, explica, “não foi apenas um erro. Foi a revelação de um certo tipo de carácter”. Montenegro decidiu interpretar o papel do xerife no faroeste mais seguro do mundo. Como explicou Samuel L. Jackson no western de Tarantino “Os Oito Odiados”: “O Oeste é o local onde cada um é responsável pela sua própria sorte”.
Confesso que sempre encarei com cepticismo aqueles que atribuíam a Luís Montenegro um discurso hábil e sagaz, com a combatividade que a tarimba de ex-líder parlamentar lhe conferira. E a sua prática enquanto primeiro-ministro de gerir o silêncio à la Cavaco à mistura com recusas a responder a perguntas fora do guião temático do dia não me parece particularmente eficaz. E se o escrutínio da comunicação social foi durante largos meses bastante frouxo, o episódio do jornalismo “ofegante” e das perguntas sopradas pelo auricular parece ter marcado o início do fim da lua-de-mel. Em Maio de 2023, Montenegro dirigia-se a António Costa nestes termos: “É afamado em termos de habilidade política, use-a. E convém dizer que ser hábil não é ser habilidoso. Ser hábil é resolver, ser habilidoso é ludibriar. Resolva os assuntos.” O actual primeiro-ministro deveria meditar bem nestas suas palavras, contextualizando-as com o conceito de bumerangue. Se Luís Montenegro está verdadeiramente convencido de que a longevidade enquanto primeiro-ministro de António Costa se deveu a uma máquina de propaganda e à satisfação das clientelas labora num equívoco. Costa venceu eleições porque projectava uma imagem de bom-senso, credibilidade, confiança e segurança. O que manifestamente (ainda?) não é o caso de Montenegro.
Liderando um Governo cujas proclamações estão quase sempre sujeitas a rectificação ou clarificação, contando com o aconselhamento mais ou menos informal da Cunha Vaz & Associados, o primeiro-ministro está determinado a conquistar terreno ao Chega com métodos de duvidoso sucesso, incluindo “usurpar” as funções do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna. Convém é que não esqueça a advertência da Vienna (Joan Crawford) do filme Johnny Guitar: ”Os rapazes que brincam com armas têm de estar preparados para morrer como homens.”