O SUSTENTO E A SUSTENTABILIDADE
Setembro 11, 2022
J.J. Faria Santos
A opção do Governo de atribuir o equivalente a meia pensão extra em Outubro de 2022 e incrementar as pensões em Janeiro de 2023 entre 3,53% e 4,43% equivale ao disposto na lei em vigor, mas terá como consequência a redução do aumento a ocorrer em 2024. Considerar que em 2024 haverá um “corte” é enganador, no sentido em que induz a ideia de que um reformado irá receber em Janeiro de 2024 um valor inferior ao de Dezembro de 2023, o que, à luz dos factos que hoje conhecemos, não corresponde à realidade. Corte entre os 3,5% e os 10% foi o que sucedeu, por exemplo, em Janeiro de 2013 com as pensões de valor superior a 1 350 €. E em 2014, o corte de 3,5% passou a abranger as pensões de valor superior a 1 000 €.
A própria lei que enquadra a actualização das pensões não foi sempre aplicada, tendo sido suspensa em 2009 e durante a troika. E em períodos de inflação muito baixa foi complementada com aumentos extraordinários para garantir subidas mínimas de 10 €. Portanto, fazer simulações de perdas potenciais pela não aplicação da lei em 2014, não só é um exercício que implica alguma futurologia (desconhece-se se, até lá, o Governo fará algum aumento intercalar motivado pelo agravamento das condições sócio-económicas), como deve motivar o reconhecimento de que se no passado o Governo se tivesse limitado a aplicar estritamente a lei os aumentos actuais seriam feitos a partir de uma base menor.
Já para não falar no facto de as expectativas dos pensionistas terem de ser balanceadas com a questão da sustentabilidade da Segurança Social e com a conjuntura económica global. O próprio autor da lei, Vieira da Silva, afirmou ao Público que “temos de estar preparados para que, em situações de natureza excepcional, haja possibilidade de adaptar a fórmula”. A actual ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, defendeu no Fórum da TSF que a aplicação da actualização automática das pensões implicaria a perda de 13 anos na sustentabilidade da Segurança Social.
Uma última nota para evidenciar o meu espanto pela leviandade com que alguns políticos e sobretudos jornalistas especializados em economia e finanças aludem a “folgas orçamentais” e a “cofres cheios”. Um país com uma elevada dívida pública, uma pandemia ainda não debelada, uma guerra na Europa, a inflação a um nível que não se atingia desde 1992, exorbitantes preços da energia, o BCE a subir as taxas de juro, uma recessão na zona euro a adivinhar-se para 2023 e tudo o que figuras como o director do Expresso têm a dizer é: “Repito, há uma folga de €7 mil milhões, mas eles efectivamente devolvem às famílias €1,4 mil milhões. Quem é que acha que está então em primeiro lugar? As famílias ou os cofres do Estado?”. Sim, despejemos já sobre as famílias e as empresas os €7 mil milhões da “folga”, e se a situação se deteriorar até ao extremo das funções do Estado social se tornarem impraticáveis, recorreremos ao Ministério Privado da Racionalidade Económica e da Educação dos Pobres da Dra. Isabel Jonet.