O QUE FAZEMOS COM A LIBERDADE
Abril 22, 2019
J.J. Faria Santos
Na era dos influencers, das notícias virais que muitas vezes rimam com banais (contra as quais ninguém está inoculado), das fake news (que requerem a nossa vigilância e o nosso activismo) e do mérito medido pelo número de seguidores (há algo de sinistro nesta designação, que tanto pode nomear a admiração mais ou menos acéfala como a perseguição maníaca), que fazemos com a liberdade? Entregamo-nos à volúpia da disrupção, esgotamos todas as possibilidades de testar os limites do que podemos fazer (só porque sim), ou calibramos esse desejo (e esse direito) com uma dose de bom senso e civismo?
Proliferam no espaço público formas das pessoas se organizarem e se exprimirem. Reduziram-se os mecanismos de censura, mas também se enfraqueceram os meios de intermediação e validação. Padrões de probidade, decência, competência e eficácia que sempre preferimos discernir nos líderes que escolhemos, foram agora trocados, em algumas nações, por uma linguagem radical, muitas vezes estranha à verdade e ofensiva da nossa dignidade humana.
Sim, às vezes é preciso dizer não, desobedecer, questionar a ordem estabelecida, instalar a desordem criativa, mas é imperioso resistir às sereias do poder. O que é tremendamente difícil, sobretudo para quem, por exemplo, partindo de reivindicações de alcance incerto se alcandora aos píncaros de conseguir paralisar um país. O povo é quem mais ordena, mas a auto-regulação é crucial. E as elites não são dispensáveis.
Mesmo quando nos falham. Como foi o caso da família de banqueiros, austera e tradicional (com o gosto de “brincar aos pobrezinhos”), mas disfuncional e permeável a “liberalidades” de construtores civis e vulnerável ao charme do off-shore. Os militares da foto, que fizeram parte do contingente que ocupou a Baixa de Lisboa nos dias da revolução, parecem proteger o então denominado BESCL. Quem nos protegeu do BES? A liberdade não nos defendeu das liberalidades.
Mas convém que não nos deixemos iludir. Nem que aceitemos o condicionamento da liberdade em favor de uma inexpugnável segurança (inalcançável) ou de uma branda repressão mascarada de mirífica ordem. Robert Fishman, sociólogo e cientista político norte-americano, declarou, em entrevista ao Público, que “Em Portugal, a democracia nasceu de uma fusão rara de revolução social, mudança cultural activa e democratização convencional.” As preocupações sociais e a redução da desigualdade devem continuar a ser um desígnio central da nossa democracia consolidada, e demonstrar capacidade de resistência face a teorias económicas radicais que toleram a sua fragilização como dano colateral do crescimento económico. “Brincar aos pobrezinhos” é de um mau gosto assinalável; brincar com os pobres é um atentado à dignidade humana. E à liberdade.