O PORTEIRO DO DIA
Maio 08, 2022
J.J. Faria Santos
Em fuga do seu país, invadido e bombardeado por um criminoso sem remissão, a refugiada ucraniana é acolhida por um diligente indivíduo com um computador portátil, registando os dados dos recém-chegados, providenciando que documentos fossem fotocopiados e questionando se o pai da inquirida “era combatente”. A cidadã ucraniana exilada pelo terror do poder militar russo acaba por ser recebida no país de acolhimento por um cidadão russo pró-Putin. O porteiro do dia no edifício de acolhimento é um cidadão com dupla nacionalidade que mantém contactos com organismos do Kremlin, o centro do poder do chefe dos torcionários.
Igor Khashin, para além de deter cargos em organizações cujo exercício de funções depende da aprovação das autoridades russas, caucionou a acção destas na Ucrânia quando começou a guerra pelo Donbass, e, sabe-se agora, é monitorizado pelo SIS há alguns anos. Mesmo desconhecendo as ligações de Khashin ao Kremlin, bastaria um módico de sensibilidade, uma réstia de bom senso, para perceber a delicadeza e a inadequação do facto de, citando Manuel Carvalho, “um cidadão de um país agressor acolher pessoas fragilizadas do país agredido”, o que motivou críticas justas ao autarca de Setúbal. Que esta e outras circunstâncias (como as declarações infelizes do presidente de uma associação de refugiados ucranianos) sejam utilizadas por um partido político como pretexto para aludir a um “ódio fascizante” e invocar perseguição é uma evidente falácia. “Ódio fascizante” e perseguição, muitas vezes até à morte, é o que sofrem os ucranianos, que quando alcançam refúgio seguro dispensam o contacto com cúmplices das políticas do carrasco.
Imagem: expresso.pt