O PODER DO PUDOR
Janeiro 26, 2019
J.J. Faria Santos
Estamos mais familiarizados com a censura ao serviço do poder; agora tivemos a variante da censura ao serviço do pudor. Se não foi, pareceu. A Porto Editora omitiu três versos do poema “Ode Triunfal”, de Álvaro de Campos, num manual escolar, explicando a opção com o facto deles conterem “linguagem explícita” e se relacionarem com a prática da pedofilia”. Pediatras, professores, intelectuais e pedagogos de toda a sorte esgrimiram argumentos. Há quem defenda que jovens com 17 ou 18 anos não terão maturidade para compreender a referência à pedofilia, ou que a crueza da linguagem desviaria a atenção da “mensagem” do poema, situação agravada pela falta de tempo para o professor fazer a sua contextualização.
A ideia de que jovens com acesso quase irrestrito a plataformas como o Pornhub (para dar um exemplo extremo), com toda a sua oferta tão diversificada, devem ser poupados a versos que referem “automóveis apinhados de pândegos e de putas” é risível. Omitir versos de um poema a pretexto da sua “linguagem explícita” é uma opção hedionda, entre o puritano e o censório, e atentatória da integridade do poema e do poeta. Para citar um outro poema do autor, neste caso a “Saudação a Walt Whitman”: “Que nenhum filho da … se me atravesse no caminho / O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!”.