O PODER
Junho 11, 2014
J.J. Faria Santos
Creio que foi a personagem de Kevin Spacey em House of Cards que comparou o poder político a uma propriedade: o que importa é “localização, localização, localização”. Ou seja, a proximidade do poder valoriza, o afastamento deprecia, sejam estas percepções reais ou intuídas. De qualquer forma, quer se esteja no centro do poder ou na sua periferia, se usufrua de um poder consolidado ou este seja alvo de sérias ameaças, é curioso como se pode partilhar o mesmo estado de alma.
António José Seguro, na sua bravata contra o assalto costista, e Pedro Passos Coelho, na sua manobra de guerrilha institucional, parecem, por vezes, homens em estado de desespero condenados à solidão de um poder corroído todos os dias pela ineficácia, pela incoerência ou pela iniquidade. Don deLillo escreveu em Libra, um exercício de ficção acerca do assassínio de Kennedy centrado em Lee Harvey Oswald, que os “homens desesperados dão à sua solidão um fito e um destino”. Se assim for, está explicada a razão pela qual o desespero aparece mascarado de indignação em face da traição, no caso de Seguro, e de determinação desafiante face ao monolitismo passadista da jurisprudência constitucional, no caso de Passos Coelho.
Talvez não seja de descartar que por trás do modelo one size fits all de ascensão política comum aos dois resida um módico de idealismo [digamos, preservar o Estado social (Seguro) ou libertar o país do estatismo pernicioso (Passos Coelho)]. O desespero, note-se, pode conduzir à rebelião ou à depressão. DeLillo diz que os idealistas “têm tendência a tornar-se amargurados de um dia para o outro, iludidos pelas mentiras que contaram a si próprios”.
(Libra tem edição portuguesa da Sextante Editora, uma chancela da Porto Editora, e tradução de Paulo Faria.)