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NO VAGAR DA PENUMBRA

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O PIEGAS, O HUMILDE E O INSINUADOR

Setembro 20, 2016

J.J. Faria Santos

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O Piegas – Carlos Manuel Lopes Alexandre está convencido de que o querem retirar do cargo que ocupa (“Acredito que me queiram afastar de tudo, deste sítio onde estou a trabalhar agora”); não tem “amigos na magistratura”; receia estar a ser escutado (“não posso falar muito tranquilamente ao telefone”; queixa-se de estar a ser “escrutinado” pela Autoridade Tributária (“Perseguido é uma palavra muito forte”); e já recebeu recados intimidatórios, uns explícitos (“Deves meter-te com gajos do teu tamanho porque precisas do teu ordenado para comer”) outros mais enigmáticos (“se não souberes colar os cromos na caderneta não terás direito a brinde”), mas nunca foi ameaçado fisicamente. Não se tratando da mania da perseguição, presume-se que o juiz terá indícios fortes que justificam estas convicções. Ou então é trauma. É que este magistrado teve uma estagiária que lhe leu a carta astral e disse que ele “tinha sido perseguido pela Inquisição”.

                           

O Humilde – Carlos Manuel Lopes Alexandre diz-se um “cidadão como qualquer outro”. Não se sente “superior a ninguém”. Não tem ambições políticas porque “o sapateiro não deve ir além da chinela”. Só procura o “favor popular” de ser visto como “um profissional honesto e sério” no seu trabalho. Em relação aos casos em que acompanhou a posição do Ministério Público e o desfecho foi a absolvição diz: “não me arrependo, aprendo”. A culpa é da evolução do “material”, da matéria “invalidada” e das “vicissitudes em julgamento”. Admite um “fetiche” por carros, “algum complexo mal resolvido de pobreza de não ter tido carro quando era miúdo”. E assume-se “geométrico e pretensioso” no sentido de ter as “contas certas”. E apresenta-as: um ordenado de 6200 euros brutos, a que se juntam o vencimento da mulher (sensivelmente metade) e rendimentos prediais. Tem “três casas habitáveis”, “dois casebres” e três carros. Deve “meio milhão de euros em créditos à habitação”, em relação aos quais paga prestações que totalizam 3000 euros.

 

O Insinuador – Carlos Manuel Lopes Alexandre, frisando a impossibilidade de comentar casos concretos, declara: “Há pessoas que podem fazer comentários televisivos e em formato papel e depois tomam decisões sobre processos. Eu não.” Como se depreenderá, ele limita-se a dar entrevistas onde tece considerações sobre as contas bancárias e a prodigalidade dos amigos dos arguidos sobre cujos processos delibera. Prometendo que um dia explicará a “história da Autoridade Tributária”, esclarece com toda a clareza e transparência: “Eu quero ser auditado pelos impostos, eu fui auditado pelos impostos, só que não fui auditado pelos impostos.” Instado a opinar acerca de Daniel Proença de Carvalho, diz ter lido “a história toda” dele (?), que qualifica de “riquíssima de conteúdo”, “um ilustre advogado que começou por ser um inspector da Polícia Judiciária”. E assumindo estar a fazer, nas palavras de quem o entrevista, “um contraste com alguém” que não quer identificar, faz questão de dizer que não está “capturado por nenhuma congregação, nem obediência ou grupo”. Nem tem “filhos nas instâncias informais ou formais de controlo”. E remata o recado dizendo: “A quem servir percebe que eu estou atento”.

 

O juiz que não se esconde mas também não anda “à procura de ser notado” já construiu a sua narrativa mediática: se a Operação Marquês for coroada com uma condenação é mais uma medalha para juntar às mais de 90% de decisões por ele tomadas em sede de inquérito que tiveram esse epílogo; se tiver desfecho oposto, a culpa é das vicissitudes do processo pelas quais ele não pode ser responsabilizado porque não participa em todas as fases do processo; e se for afastado, claro, só pode ser porque afrontou os poderosos e a elite judiciária. E o mal triunfaria. Seria a derrota de Kant e o canto de cisne do juiz. A inesperada loquacidade de Carlos Manuel Lopes Alexandre faz-me evocar uma frase de Nietzsche: “Falar muito de si próprio pode também ser uma forma de se esconder de si próprio.”

 

(Os excertos citados foram retirados da entrevista concedida ao Expresso, feita antes da entrevista à SIC e publicada no passado sábado.)

 

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