O NOSSO HOMEM NO PALÁCIO DE BELÉM
Junho 10, 2019
J.J. Faria Santos
“O melhor da vida está em provocar um facto, tirando a Deus a prioridade”, escreveu Agustina Bessa-Luís em A Ronda da Noite. Eis uma asserção que certamente merecerá a concordância do consumado criador de factos políticos chamado Marcelo Rebelo de Sousa. Falando em inglês, na FLAD, assumiu a sua eterna vocação de pundit, relegando para um plano secundário a discrição e a subtileza que o cargo que ocupa poderia justificar. Claro que sempre me pareceu que a sua magistratura se tem caracterizado por um desejo irreprimível, por uma tensão latente entre o sentido de Estado e a volúpia de pôr o Estado em sentido a tentar adivinhar os seus próximos passos.
É “muito preocupante” a situação da direita, disse ele, para acrescentar: “Com um governo forte de centro-esquerda e uma oposição de direita fraca, cabe ao Presidente, não equilibrar, porque não pode ser oposição a nenhum governo, é claro, mas ser muito sensível e sentir que é preciso ter um equilíbrio no sistema político.” Clarificando: não cabe ao Presidente “equilibrar”, compete-lhe “sentir a necessidade de equilíbrio”. E quem irá promover esse “equilíbrio” senão ele? Está inaugurada uma nova etapa de uma presidência marcadamente sensorial: depois do tacto (os afectos) e da estimulação visual (as iconográficas selfies), entramos agora no território das convicções mais íntimas e das avaliações de grande precisão.
Para completar a análise à conjuntura política, não deixou de teorizar acerca da influência que o resultado das eleições legislativas poderá ou não ter na decisão de se recandidatar. Pelo menos é um factor menos esotérico que alguns previamente avançados, tais como a permanência da Web Summit em Portugal ou a realização das Jornadas Mundiais da Juventude em 2022 (presumindo que “não há ninguém em melhores condições para receber o Papa”). Não deixa de ser irónico que ao tentar dar conforto à área política de que provém Marcelo tenha causado desagrado à liderança dos partidos que a compõem, mas presumo que isso tenha constituído para ele um prazer pouco secreto. Nesta fase, é difícil “equilibrar” o anseio de sucesso da direita partidária com o seu desígnio pessoal de ser reeleito com uma percentagem de votos recorde.
São José Almeida escreveu no Público que ele se assumiu como “líder natural da direita”. E o institucional Expresso opinou em editorial que o Presidente pôs “o carimbo a oficializar o óbito” da direita, considerando que “um árbitro não pode anunciar o resultado antes do apito final”, para mais adiante reconhecer o óbvio: que ele se posicionou como “jogador”. Quem na direita se sentirá representado por Marcelo de forma a exclamar: “Este é o nosso homem em Belém”? Suspeito que é questão que não o angustia. No meio das mil e uma conjecturas com que a sua lendária inteligência preencherá as altas horas de ócio, decerto tomará como suas as palavras que Shakespeare colocou na boca de Marco António: “Agora é deixar correr. Discórdia, estás a caminho. Toma o rumo que quiseres.”
Imagem: Wikimedia Commons