O MONTENEGRO É UM TIRO NO ESCURO
Janeiro 23, 2019
J.J. Faria Santos
Não tem a consistência ideológica de Miguel Morgado, a verve e o domínio da linguagem de Paulo Rangel, a experiência governativa e o peso institucional de Carlos Moedas ou a preparação intelectual de Jorge Moreira da Silva. Não se lhe conhecem propostas de acção que o diferenciem do actual líder do partido, nem ideias inovadoras. É por isso que Luís Montenegro é um tiro no escuro. O que é que ele tem que o coloca na pole position dos candidatos a desalojar Rio? A bênção do aparelho partidário (a nomenklatura das concelhias e das distritais), um discurso de oposição incisivo e combativo (que entusiasma os espoliados de 2015) e a chancela de qualidade marcelista (o actual Presidente da República, em 2016, viu nele “qualidades invulgares” que auguravam “grandes sucessos futuros”). O futuro chegará a galope?
Só que agora, depois de certificar a qualidade do Montenegro, Marcelo derivou para uma avaliação negativa da sua acção, ou pelo menos, do seu timing. A fazer fé nas “fontes de Belém” que continuam a jorrar no Expresso bastante informação acerca do pensamento e das motivações presidenciais, seria uma “loucura” o PSD entrar numa disputa pela liderança tão perto das eleições. Na verdade, o pensamento marcelista é ambivalente – por um lado ambiciona o reforço da oposição no sentido de uma federação do centro-direita, mas por outro teme os efeitos da instabilidade no PSD, receando que beneficie António Costa.
Porém, para Marcelo, mais importante que o Montenegro e o PSD é a sua própria popularidade. É por isso que as suas participações em programas televisivos são justificadas com a necessidade de “manter incólume a ligação ao povo”. Primeiro o povo e só depois as elites. Cáustico como quase sempre, Vasco Pulido Valente escreveu no Público que o telefonema para Cristina Ferreira foi um exemplo de “cortesias de colegas”. E que “quando sair de Belém, o destino natural deste Presidente do Povo é um programa da manhã.” Já uma “fonte próxima” foi de uma candura assinalável em declarações ao semanário Expresso: “Ele pode ter levado pancada de 30 000 pessoas mas a audiência do programa foi de 500 mil. Não foi mau negócio.” Quero acreditar que o Presidente da República tem uma noção bastante mais sofisticada dos negócios do Estado, e um sentido elevado da nobreza do cargo que só perde com elucubrações deste teor. Mesmo que provenham de uma deslumbrada “fonte próxima”.
Ilustração: "A Shot in The Dark" de Mel McCuddin
(www.theartspiritgallery.com)