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NO VAGAR DA PENUMBRA

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O MANDAMENTO

Março 05, 2014

J.J. Faria Santos

Imaginem um poeta sem uma crença absoluta em milagres e divindades, mas que aprecia a liturgia e comunga todos os domingos. Suponham, agora, que ele se sentia compelido ao cumprimento escrupuloso de uma obrigação que sabia de antemão que era inalcançável: amar o próximo como a si mesmo. Em que resultaria então, em termos práticos, a tensão entre um compromisso de honra assente em irrepreensíveis valores humanistas e a inelutável tendência egoísta para a satisfação dos seus mais íntimos desejos? A resposta foi dada sob a forma de testemunhos de generosidade. Pegar num cobertor e dormir no exterior do apartamento de uma anciã, que frequentava a mesma igreja que ele, e que sofria de pesadelos, até que ela se sentisse segura; ajudar discretamente um amigo que precisava de uma intervenção cirúrgica, para a qual não tinha posses, oferecendo-lhe o manuscrito de uma sua obra, que este vendeu, realizando o capital para pagar a operação; pagar os estudos de órfãos, seleccionados por uma organização humanitária europeia. O poeta é Wystan Hugh Auden, e estes exemplos de dedicação ao próximo estão descritos no ensaio de Edward Mendelson para a The New York Review of Books (The Secret Auden), disponível online.

Auden, poeta e dramaturgo, nasceu em York, a 21 de Fevereiro de 1907, e morreu em Viena a 29 de Setembro de 1973. Deu aulas, publicou livros de viagens e libretos de ópera. Participou na Guerra Civil de Espanha, ao lado dos Republicanos, tendo sido encarregado da propaganda. Uma experiência que estará na origem de um desabafo, feito a um amigo, poucos anos depois, em que ele classificava como “excitante mas absolutamente degradante” a sua capacidade de incendiar as massas com um “discurso combativo e demagógico”.

Edward Mendelson traça o perfil de um homem generoso, que achava que os artistas não tinham uma particular competência para se pronunciarem sobre questões políticas e morais, e que estavam sujeitos a tentações de poder e crueldade. Auden receava que a arte resvalasse da ambição de “criar um mundo de linguagem” para a “tarefa proibida e perigosa de tentar criar um ser humano”. Ecos do seu mandamento de vida podem encontrar-se neste excerto de um poema de Novembro de 1937, As I Walked Out One Evening , sob a forma do canto de um amante: “ O stand, stand at the window / As the tears scald and start; / You will love your crooked neighbour / With your crooked heart.” ( “Ah, fica, fica à janela quando as lágrimas / Queimam e se desprendem; / Hás-de amar o teu tortuoso vizinho / Com o teu coração tortuoso” – tradução de Maria de Lourdes Guimarães, in “Diz-me a Verdade Acerca do Amor”, Relógio D’Água Editores).

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