O MACHO BRANCO BRONCO E A GAJA RACIALIZADA
Novembro 03, 2024
J.J. Faria Santos
O povo americano (o povo, não a elite intelectual, os narcisos liberais de Hollywood ou os super-ricos com contratos com o Estado a proteger e subsídios a garantir) está dividido entre o macho branco bronco e a gaja racializada. A linha divisória não é, obviamente, estanque e qualquer dos lados tem o seu grupo de dissidentes. Aparentemente, se em Biden votaram cerca de 90% dos negros, Harris só consegue convencer 70%, porque o “eleitorado negro masculino é conservador e muito religioso”, nota Teresa de Sousa no Público. Já o macho branco americano está em crise de identidade, vendo o seu papel dominante ameaçado pela diversidade dos seus concidadãos e pelos estilhaços do Me Too. Por outro lado, proeminentes republicanos, de Dick Cheney a Mitt Romney, passando por Alberto Gonzales e Arnold Schwarzenegger, anunciaram o apoio à candidata democrata. Há, decerto, nestes um apego, se não a procedimentos que salvaguardem a qualidade da democracia, a quesitos mínimos que garantam o Estado de direito e o cumprimento de rituais institucionais que os conservadores prezam.
Se os indicadores económicos demonstram a pujança da economia, os americanos mostram-se agastados com o preço dos alimentos e dos combustíveis, assacando tal responsabilidade à administração Biden. E se a posição de Harris em relação ao aborto poderá garantir uma parcela significativa do voto feminino e o voto jovem simpatiza com algumas das suas causas, o cansaço das guerras externas favorece o candidato Trump. Os apoiantes deste mostram-se absolutamente indiferentes ao desejo por ele expresso de actuar como um ditador tanto quanto ao seu estilo de decidir, que mistura a ignorância e a prepotência à intuição.
Na edição de Janeiro/Fevereiro da revista The Atlantic, o comentador conservador David Frum escreveu um ensaio intitulado A presidência da vingança, prevendo que “se vencer a eleição, Trump cometerá o primeiro crime do seu segundo mandato ao meio-dia do Dia da Inauguração: o seu juramento de defender a Constituição dos Estados Unidos será um acto de perjúrio”. Para Frum, “o supremo desejo político de Trump foi sempre o de empunhar a lei e a violência institucional como armas pessoais de poder”. O que é certo é que, por mais alertas que tenham sido feitos, por entidades de quadrantes ideológicos diversos, todos foram infrutíferos para substituir no template mental de uma significativa parte do eleitorado o It’s the economy, stupid pelo Democracy is at stake, moron.
Imagem: Matt Huynh para a edição de Janeiro/Fevereiro/2024 da The Atlantic