O INSENSATO INSENSÍVEL
Dezembro 05, 2021
J.J. Faria Santos
De Eduardo Cabrita, disse o advogado Magalhães e Silva: “É um tipo reservado. E como qualquer pessoa que é reservada, de quando em vez dá-se a ataques de fúria.” (in Expresso – Revista de 17/11/2018). No mesmo artigo, um socialista anónimo acrescentou acerca da relação do ex-ministro com o primeiro-ministro: “São amigos e cúmplices. Mas Costa não hesita quando tem de lhe mandar dois berros.”
É possível que a fúria de um e os berros do outro tenham pontuado os episódios que abalaram os mandatos de Cabrita, acossado pela oposição e pela imprensa, abalado por casos que implicaram perdas de vida, equipamentos defeituosos, decisões dúbias e afirmações polémicas. É possível que o seu carácter reservado e o seu estilo combativo tenham contribuído para criar o estereótipo do ministro incompetente, obscurecendo a forma eficiente como promoveu a reorganização do sistema de protecção civil ou como conseguiu apresentar baixos índices de criminalidade.
Na era da política dos afectos, da dor partilhada e dos gestos oficiais de expressão de pesar, tudo o que não respeitar os padrões das redes sociais é escasso e indiciador de desrespeito. O despacho do Ministério Público, acusando o motorista do ministro de homicídio por negligência, por conduzir em excesso de velocidade (sem que tal comportamento tenha sido instigado por qualquer sentido de urgência expressado pelo MAI) na faixa da esquerda, pode ter servido para aplacar os profissionais da indignação, logo exacerbados, porém, pela canhestra tirada do ministro a invocar a sua condição de “passageiro”. Mas a generalidade dos que exigem o cabal esclarecimento acerca das condições em que o acidente ocorreu não parecem interessados em clarificar o motivo que levou a vítima a atravessar a auto-estrada, algo que, como frisa Fernanda Câncio, “é expressamente proibido pelo Código da Estrada e, como fonte da Brisa assegurou ao DN, pelas regras de segurança concessionária”. Ou ainda, como a jornalista dá conta no mesmo artigo, avaliar o facto de haver quem defenda, como um perito em segurança rodoviária, que “as lesões sofridas por Nuno Santos e referidas na acusação não parecem compatíveis com a descrição que esta faz do acidente”. Questionar estas circunstâncias parece equivaler a atacar a vítima, a desrespeitar a sua memória.
De Eduardo Cabrita, jamais se esperaria, por exemplo, que falasse do fundo do coração. Ele que exibiu, nas palavras do director do Público, uma “horrenda falta de empatia”. O ministro podia ter-se demitido por erros de julgamento na sua acção política, mas não seria a mesma coisa. O coro das redes sociais e do comentariado exigia o atestado da sua insensibilidade. O insensato insensível fechou o ciclo.
Imagem: portugal.gov.pt