O FUTURO SEGUNDO DORIS DAY E MADONNA
Maio 21, 2019
J.J. Faria Santos
Quando é que o futuro perde a sua aura de oportunidade e ambição para se transformar numa espécie de sentença a prazo? Bom, talvez seja demasiado pessimista colocar a questão nestes termos. Digamos que, a partir de certa altura (porventura quando o futuro potencial é temporalmente mais curto que o passado), o comum dos mortais entra em modo de gestão, privilegiando o conforto do adquirido em detrimento de expectativas exigentes que um esforço adicional poderia alcançar. E aqui a palavra-chave é o verbo “poderia”. O condicional (surpresa!) condiciona-nos. E o risco de falhar numa circunstância com tantos factores desconhecidos conduz a nossa indecisão para o território da inconsequência.
Seria mais avisado se seguíssemos o conselho de Doris Day. Obteríamos como recompensa a redução acentuada da angústia. Como ela explica em “Que sera, sera”, não nos compete adivinhar o futuro (“the future’s not ours to see”). O enquadramento temporal era o da década de 50 do século passado, em pleno período do pós-guerra e antes da disrupção da contracultura dos sixties. As inquietações que a canção tenta dissipar com o seu desprendido refrão são intemporais: o desejo de beleza e prosperidade (“Will I be pretty? Will I be rich?”) e o receio que o arrebatamento amoroso feneça (“I asked my lover, what lies ahead? / Will we have rainbows, day after day?”). Admito, porém, que esta opção se pareça demasiado com o vogar ao sabor das ondas, um clamoroso pecado mortal numa era em que a todos se pede ambição e iniciativa e qualquer pausa para reflexão se parece demasiado com inacção.
Por seu lado, Madonna, no recente “Future” em parceria com Quavo, alerta-nos para o facto do acesso ao futuro estar dependente de uma espécie de numerus clausus que levarão em linha de conta a nossa capacidade de aprendizagem com os erros do passado (“Not everyone is coming to the future / Not everyone is learning from the past”). Num tema que prescreve abertura de espírito e a necessidade de estarmos atentos aos sinais que o quotidiano nos apresenta, prega-se a importância da reinvenção sob a forma do renascimento. Portanto, se num momento de introspecção lhe desagradar aquilo que percebeu ter sido, aniquile-se e renasça (“Don't like the person in your past, so you let 'em die”). Eis um conselho coerente com o percurso artístico dela. Mas poderá esta acção resultar quando aplicada à vida trivial de cada um de nós? Acima de tudo, o importante é que sejamos nós a deter o poder de decidir (“Your future is bright /Just don't turn off the light”). Seja qual for a nossa decisão, nem tudo é verdadeiramente irremediável. Como dizia o outro, a vida é como os interruptores: umas vezes para cima e outras para baixo.