O FUTURO QUE NÃO QUEREMOS
Junho 15, 2025
J.J. Faria Santos
Almas peregrinas, sedentas de um porvir radioso para apresentar aos jovens alienados pelas redes sociais e aos ressentidos espoliados do sonho (uns e outros disponíveis para encontrar bodes expiatórios nos mais desprotegidos), lamentaram que nas cerimónias do 10 de Junho, onde se celebrou o melting pot português e se condenou o extremismo, faltasse futuro. Na ausência de receitas instantâneas para a construção de modelos de sociedade na fronteira da utopia, falemos do futuro que não queremos.
Não queremos um futuro que normalize o uso da violência para dirimir divergências de opinião, que condicione a liberdade de expressão e que estique até à ruptura os limites do Estado de direito.
Não queremos um futuro que discrimine de acordo com a cor da pele, a nacionalidade ou o estrato social, que encare a pobreza como uma deficiência moral e pessoas em situação de carência ou em situação de sem-abrigo como parasitas sociais.
Não queremos um futuro em que os imigrantes sejam vistos como um mero recurso económico ou como uma ameaça civilizacional. E que se tenham de contentar com uma cidadania de segunda, com deveres inescapáveis e direitos condicionados, e de viver sob a ameaça da deportação.
Não queremos um futuro em que o feminismo seja encarado como uma “doença”, que às mulheres seja retirado o direito ao voto, que o divórcio seja dificultado e que o aborto seja proibido em todas as situações, inclusivamente em caso de violação.
Não queremos um futuro em que as manifestações culturais e artísticas sejam sabotadas por vândalos filisteus, e que os seus protagonistas sejam insultados e agredidos. Não queremos o regresso do visto prévio ou do conceito de arte degenerada, e não aceitamos a imposição da autocensura.
Não queremos um futuro em que influencers digitais utilizem a sua capacidade de mobilização e persuasão, e o seu poderio financeiro, para veicularem sem contraditório e moderação discursos misóginos, xenófobos ou racistas.
Não queremos um futuro em que organizações de extrema-direita, que se comprazem na apologia da violência e que glorificam o exercício de humilhação e a submissão do outro pela força, não sejam severamente reprimidas e neutralizadas.
Não queremos um futuro que desproteja as minorias, que se sinta ameaçado pela diferença, que eleve a homogeneidade à categoria de dogma e em que um conservadorismo bafiento alimente a ilusão de que é possível recriar um passado idealizado.
Não queremos um futuro em que os líderes políticos implícita ou explicitamente alimentem os discursos de perseguição e ódio e/ou caucionem ou tolerem o recurso à violência. Sobretudo quando no presente o mais alto representante da nação, filho de um ministro do Estado Novo, fez questão de lembrar que “vivemos em Democracia e não queremos voltar a viver em ditadura”. Por algum motivo terá sido. E não foi certamente por ele ser um traidor à pátria de extrema-esquerda.
Não queremos um futuro sem liberdade.