O DITADOR DA TERRA DOS CORAJOSOS E DOS LIVRES
Junho 19, 2018
J.J. Faria Santos
Donald Trump no fundo apreciava ser um ditador. A tese é da editora do Huffington Post Amanda Terkel, num artigo onde alinhava um conjunto de argumentos que a suportam. E que vão desde a confessada admiração dele por ditadores (Putin, Rodrigo Duterte) ao seu lamento pelo facto de não poder usar as instituições do Estado para perseguir os seus adversários políticos (“lock her up” incitava ele, ainda na campanha, referindo-se a Hillary Clinton), passando pela sua indignação pelo facto de muitos membros da bancada da oposição no Congresso não terem aplaudido o seu discurso do estado da nação. “Não lhe podemos chamar traição?”, questionou ele na ocasião, recorda Terkel.
A editora do Huffington Post cita ainda afirmações em que o Presidente americano elogia os líderes norte-coreano e chinês, mesmo nos casos em que ele tenha alegado tratar-se de uma piada, porque considera que elas têm um fundo de verdade. De Kim Jong-un disse Trump: “ Ele fala e as pessoas sentam-se e ouvem-no com atenção. Quero que o meu povo faça o mesmo comigo.” Se é possível detectar um traço autoritário nesta afirmação, a ideia é risível em si mesma, dada a pobreza argumentativa, a manifesta falsidade de muitas das suas afirmações e a as inconsequências e contradições dos seus discursos e acções. Como se pode ouvir atentamente um presidente de cartoon, com uma retórica e um comportamento de jardim-de-infância?
Se muitos analistas se entretiveram a estabelecer paralelos entre os perfis psicológicos de Trump e Kim, Tom Sancton, na Vanity Fair e no contexto de uma entrevista a Emmanuel Macron, comparou o Presidente francês ao americano: o primeiro definido como “um culto e sofisticado esteta que cita Hegel nos seus discursos”, dorme quatro horas por dia (trabalhará nas restantes vinte) e casou com uma professora 24 anos mais velha, por oposição ao segundo que prefere os reality shows, vê televisão quatro horas por dia e casou com uma modelo 24 anos mais nova.
Podemos divertir-nos com a exibição da ignorância e da incompetência do magnata do imobiliário, mas não devemos menosprezar os sinais de prepotência do populista manipulador. Michiko Kakutani, ex-crítica literária do New York Times que acabou de escrever um livro acerca da falsidade e da mentira na era Trump, declarou à Vanity Fair que ele não apareceu do nada, notando “o quão prescientes foram escritores como Alexis de Tocqueville, George Orwell e Hannah Arendt em relação à forma como os que detêm o poder conseguem definir o que é a verdade.” Esta é a principal razão porque não nos é legítimo optar pelo remédio prescrito por Gore Vidal para certa maleita. Dizia ele. “O sono pesado é a minha defesa natural contra o intolerável.” Temos de estar despertos. Para não acordarmos sob o jugo da tirania, qualquer que seja a forma que ela assuma.