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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O CERCO E A ESPERANÇA

Janeiro 24, 2021

J.J. Faria Santos

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Cercados pelo espectro da morte por todos os lados, confinados, sujeitos a uma vida em modo de intervalo interminável, queremos resistir e inventar um novo quotidiano. Em nome do bloqueio do vírus e da sanidade mental. Mas a persistência dos desfechos funestos em números alarmantes ameaça erodir as muralhas da nossa fortaleza emocional. Não é sequer indispensável que sejam familiares e amigos a constar da lista de óbitos. O nosso pesar abarca os habitantes da nossa paisagem emocional, os pontos de referência da nossa vivência diária: os desconhecidos com quem nos cruzávamos, os vizinhos, os familiares dos vizinhos, os parentes dos nossos colegas de trabalho, os familiares das figuras públicas da TV, a escritora que lamentavelmente nunca lemos, o jornalista discreto e competente. Sabíamos que a #vamostodosficarbem não passava de uma hashtag piedosa e irrealista, mas não adivinhámos o descalabro que o Natal traria sob a forma de presente malsão para 2021.

 

Agora temos um número impensável de famílias enlutadas, estruturas hospitalares à beira do colapso, profissionais em sofrimento ético, dirigentes tentando harmonizar o planeamento com o improviso, epidemiologistas e matemáticos denunciando insuficiências, erros e atrasos e profetizando a escalada do horror. E o medo regressou, embora nunca tivesse estado verdadeiramente ausente. Esteve camuflado pela alegria dos reencontros e pela presença simbólica da vacina. Agora que o temor regressou com uma intensidade sensata, e que se desvaneceu uma certa inconsciência que raiou o criminoso, é necessário também falar de esperança. Porque ninguém suporta as narrativas da vida real, carregadas de metáforas bélicas, sem a expectativa de um desenlace mais ou menos favorável. Não se trata de escamotear a realidade, ou de a falsear, trata-se de não esquecer que graças aos profissionais da saúde mais de 450 000 portugueses já recuperaram da covid-19. Não, não vamos ficar todos bem. Sim, a morte espreita, mas a vida resiste e não desiste.

 

Imagem: Estela Silva/Lusa (lifestyle.sapo.pt)

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