O CASO DO MINISTRO EM AUTOGESTÃO
Julho 03, 2022
J.J. Faria Santos
O caso tinha de terminar, evidentemente, com a afirmação inequívoca da autoridade do primeiro-ministro. Clara e brutal, pois é sabido que António Costa alia a frieza e a flexibilidade táctica ao killer instinct. A grande surpresa aqui é como um papel de embrulho que acondiciona o ministro das Infraestruturas. As suas motivações, a sua interpretação da realidade, a sua disponibilidade para acatar a desautorização, arriscando transformar a assunção da “falha relevante” num haraquíri político sem remédio. Terá sido vítima da sua ambição ou de um destemperado voluntarismo que o impeliu a exibir a sua capacidade de decisão perante um cenário que lhe terá parecido de águas estagnadas, argumentam uns. Terá querido forçar a sua saída (?), argumentam outros, dando lastro a uma hipótese tão retorcida (dada a sua decisão de “obviamente” continuar no cargo) que remeteria para a categoria das traquinices infantis o alegado maquiavelismo de Marcelo.
O episódio, ainda para mais ocorrido com um Governo a quem a oposição acusa de ter uma estratégia eficaz de comunicação e propaganda, não se consegue explicar só com o desconhecimento, a descoordenação ou o voluntarismo. Há aqui, portanto, um enigma que fez o executivo cair no pântano do ridículo. A ideia, porém, de que Pedro Nuno Silva (PNS) possa arriscar o descrédito e ter posto em risco a sua carreira política parece-me exagerado. Uma demissão irrevogável prontamente revertida acabou transformada numa bem orquestrada (e camuflada) candidatura presidencial em curso, pelo que um acto de contrição “sem má-fé” e um compromisso de lealdade confirmado pelo tempo poderão fazer com que PNS alcance a redenção.
O caso serviu também para a oposição aproveitar a brecha e adicionar carga dramática ao rocambolesco acontecimento. O Chega aprestou-se a anunciar uma moção de censura e o sempre excitável e iracundo Rangel tratou de aludir, com falsa subtileza, a uma “anomalia institucional”. E o Presidente da República, claro, com aquele seu peculiar sentido de equilíbrio, dias depois de ter salvaguardado a ministra da Saúde, tratou de repor a ordem natural das coisas insinuando, leve, levemente, de improviso, em horário nobre, que António Costa ao escolher/manter o “colaborador” Pedro Nuno Santos teria sido “infeliz”. O primeiro-ministro é, de facto, “o responsável pelas escolhas”, embora Marcelo se comporte como se tivesse droit de regard sobre elas. Para poder escolher ministros, está no cargo errado. Claro que para exercer o cargo certo para o usufruto dessa prerrogativa não bastaria a magistratura dos afectos e a diplomacia da selfie.
Imagem: portugal.gov.pt