O BAILINHO DA MADEIRA
Novembro 17, 2024
J.J. Faria Santos
Mais de metade do Governo Regional da Madeira está sob suspeita. Para além do presidente Miguel Albuquerque, indiciado, entre outros crimes, por corrupção activa e passiva, tráfico de influência e abuso de poder, os responsáveis pelas Finanças, Saúde e Protecção Civil e Equipamento e Infra-estruturas foram constituídos arguidos sobre suspeitas de criminalidade económica e financeira, tendo o titular da pasta da Economia, Turismo e Cultura sido constituído arguido devido a suspeitas de prevaricação.
Em Novembro de 2023, o primeiro-ministro António Costa apresentou a sua demissão por considerar que "a dignidade das funções de primeiro-ministro não era compatível com a suspeita de qualquer ato criminal”. Em causa estava uma vaga e genérica alusão à “invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos”. Comentando a demissão de Costa, Miguel Albuquerque afirmou: “Com o ministro arguido e com o próprio chefe de gabinete detido, para o primeiro-ministro tornava-se muito difícil continuar a governar”. Quando ele próprio se tornou suspeito, antecipando uma eventual constituição como arguido, apressou-se a considerar tal situação “um estatuto que é conferido pela lei para as pessoas se poderem defender”, recusando demitir-se, propósito que nem a “epidemia” de arguidos no Governo Regional logrou alterar.
A Madeira foi um Jardim e agora é um Albuquerque. Talvez não por muito tempo. A oposição interna movimenta-se. Já há ex-fiéis devotos do presidente a disputar-lhe o lugar. Até Alberto João Jardim (olha quem fala) já sentenciou que “a Madeira não pode ficar prisioneira de um homem só”. Esperemos que a escolha da palavra “prisioneira” não seja de mau agoiro para Albuquerque, mas a questão fundamental é mais vasta e pode sintetizar-se na seguinte pergunta: é benéfico para a ilha que prossigam os 48 anos de governação de um mesmo partido?
Antes do mais temos de reconhecer o aspecto incontornável da decisão soberana dos eleitores: por inépcia da oposição ou mérito da situação, o PSD tem ganho as eleições. Se considerarmos, no entanto, que a qualidade da democracia se mede, para além das eleições livres, pela robustez do Estado de direito e pela concretização da alternância, com o seu carácter virtuoso de evitar a eternização de relações clientelares e a tentação da hegemonia intolerante e castradora, teremos de identificar aqui uma falha que responsabiliza toda a classe política madeirense, mas sobretudo a oposição.
A Madeira passou do discurso boçal e mal-educado de Jardim para a retórica prepotente do “colecionador compulsivo de roseiras”, pianista e ex-campeão de natação. A administração pública continua colonizada pelos militantes do PSD e qualquer heterodoxia é castigada. A comunicação social encontra-se sujeita a pressões e restrições no acesso à informação. O Ministério Público suspeita que o próprio presidente do Governo regional terá tentado condicionar jornalistas. Diz que é uma espécie de “asfixia democrática”. O “povo superior” da Madeira lá saberá.
Imagem: Frame do Telejornal Madeira