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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

O ASSALTO À DEMOCRACIA, O ANTI-HUMANISTA E O POPULISTA BOM

Junho 22, 2025

J.J. Faria Santos

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Invadir o Parlamento e ocupar a residência oficial do Presidente da República, eis duas das acções ponderadas pela milícia neonazi Movimento Armilar Lusitano, visada por buscas e detenções no âmbito de uma operação da Unidade Nacional de Contraterrorismo. Entre os objectos apreendidos constam armas de fogo, armas brancas, explosivos, autocolantes e bandeiras do grupo neonazi 1143 e ainda vários livros de Hitler.

 

Se considerarmos que a direita radical (na visão benévola, já que há investigadores que consideram o Chega um partido extremista) ocupa 60 assentos na Assembleia da República, a invasão do Parlamento por parte do grupo neonazi (inspirado pelo ataque ao Capitólio nos EUA e aos centros de poder no Brasil) acrescentaria carga simbólica à hegemonia da direita (pela ousadia), independentemente de representar uma agressão intolerável à democracia.

 

O Movimento Armilar Lusitano será uma milícia armada sob suspeita de actividades terroristas, e terá, citando uma notícia do Público, “capacidade de organizar ataques de grande escala”. E segue a linha deste género de organizações de incitamento ao ódio e à violência, praticando a “discriminação em função da identidade de género, da raça, em função do credo” (Luís Neves, director nacional da PJ). O Chega é um partido defensor do povo contra as elites financiado pelas elites empresariais e financeiras, que abusa do discurso agressivo contra imigrantes e aquilo que denomina de subsidiodependentes, que não parece ter qualquer compromisso com a verdade, que classifica a comunicação social como “inimigos do povo” e cujo líder, André Ventura, declarou enfaticamente: “Connosco podem ter a certeza de uma coisa, não haverá humanismo que resista.”

 

Num trabalho de investigação para o jornal Público (A grande ‘família’ do Chega), editado em 25/02/2024, o jornalista Miguel Carvalho escreveu: “A extrema-direita (.,,) impulsiona dinâmicas de rua e nas redes sociais que ajudem a criar (…) um ambiente propício ao voto no Chega. O objectivo a longo prazo é contagiar o partido para a adopção de uma agenda política mais autoritária, nacionalista, nativista, racista, xenófoba e anti-‘ideologia de género’.” Ressalvando que, “publicamente”, Ventura rejeitava estas “abordagens e cumplicidades”, Miguel Carvalho descrevia duas correntes de extrema-direita: uma, ligada a Mário Machado, incentivando os seus membros a apoiarem explicitamente as causas do Chega e a inscreverem-se no partido; e outra, mais doutrinária, que punha “a ideologia extremista e as narrativas de ódio ao serviço da mobilização digital e da provocação das comunidades imigrantes”.

 

A verdade é que, não estando em causa a cumplicidade objectiva ou o apoio declarado a grupos criminosos, o que é um facto é que o discurso agressivo, por vezes abertamente racista e xenófobo de André Ventura, aliado a um perfil oportunista, levanta dúvidas acerca de uma futura absorção pelo Chega destes elementos, bem como de uma radicalização ainda maior do seu discurso. Miguel Carvalho falou com o antigo vice-presidente do Chega, Nuno Afonso, que em tempos terá mostrado ao líder uma lista de “extremistas que se preparavam para entrar no partido”, entre eles “nomes ligados ao assassinato de Alcindo Monteiro”. “Não faz mal, queremos os votos de toda a gente”, terá replicado André Ventura. A fazer fé nas palavras de Afonso, “nem mais um!” é uma palavra de ordem que ele reserva para os imigrantes; para extremistas e criminosos é “quanto mais, melhor!”.

 

Mas se assistimos, por um lado, a um possível movimento de infiltração/acolhimento que une o Chega e movimentos de extrema-direita, temos, por outro lado, a cooptação do discurso e da retórica populista e nacionalista por parte do primeiro-ministro e do Governo. Até parece que as questões do reagrupamento familiar e da retirada da nacionalidade são tão relevantes que relegam para um plano secundário os “constrangimentos” na saúde, o problema da falta de habitação ou, para citar um tema caro à direita, os entraves ao empreendedorismo. Esta opção de Montenegro certamente não lhe permitirá obter os galões de estadista, mas essa nunca foi a sua preocupação. O Luís tem faro político e é hábil, e sabe que, como escreveu Giuliani da Empoli (“Os Engenheiros do Caos”), a “questão migratória (…) faz rebentar as barreiras tradicionais entre direita e esquerda.” O papel principal que ele quer interpretar é o do populista bom.

 

Imagem: parlamento.pt

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