O ANDRÉ A CONTRIBUIR PARA A FELICIDADE DA MARIA
Julho 05, 2020
J.J. Faria Santos
Reparem no tom épico, entre o arrebatamento e o fanatismo: “um dos dias mais felizes da minha vida”; “fez-me verter as lágrimas de esperança que mantinha presas nos olhos, à espera do momento certo para serem choradas de emoção”; “Obrigada (…) àqueles que formam o pilar que eleva o nosso líder e que, se Deus e os portugueses quiserem, em breve, será o homem que tornará Portugal grande novamente.” As palavras da actriz Maria Vieira no Facebook revelam todo o seu entusiasmo pelo homem que rebentou o dique das suas emoções e que ela acha que devolverá a grandeza a Portugal. André Ventura é o homem dos momentos certos, com aquela retórica de convicções incertas, mas com o talento exacto para transformar em slogans eficazes as tiradas de ressentimento, desconforto ou pura ignorância que os excluídos e os desprotegidos debitam à mesa do café, nos fóruns da comunicação social ou nos comentários que são autênticos esgotos a céu aberto nas redes sociais.
Maria Vieira falava no rescaldo da manifestação promovida sob o lema “Portugal não é Racista” e que, de acordo com o insuspeito Observador, se “transformou num comício do Chega”, conforme relato onde se dá conta da preocupação dos correligionários do populista com a popularidade: é que “em cima da hora agendada para o arranque da manifestação, apenas duas ou três centenas de manifestantes, nem todos militantes do Chega, aguardavam pela chegada de André Ventura”. Felizmente que a coisa se compôs, e que cerca de 1200 manifestantes puderam acompanhar o querido líder, não permitindo que ele descesse a “Avenida sozinho”. Alguns terão tido a possibilidade de testemunhar o seu talento para a provocação, numa encenação que passa por coragem ou desassombro, mas que é suficientemente ambígua para permitir a negação. Há um braço levantado no ar, direito. Segundo o Expresso online, um dos manifestantes dirige a palavra a Ventura: “Ó André, não levantes a mão assim que eles vão fotografar isso”. O tom é jocoso. Prossegue o Expresso: “Ventura ri-se, acena e baixa a mão, algumas fotografias depois. A caminhada prossegue.” Objectivo concretizado. Não existe essa coisa a que alguns insistem em chamar de publicidade (ou propaganda) negativa. Que importa que seja miserável e sintoma de torpeza moral imitar gestos que evocam as páginas mais negras da história da Humanidade, onde, para usar linguagem que ele aprecia, se cometeram crimes “hediondos”?
O homem é um artista completo. Julga-se com o talento para combinar a gravitas do estadista com o desbragamento da stand-up comedy. O seu leque de interesses é tão abrangente que vai dos dotes domésticos de Ana Paula Vitorino e da maquilhagem de Joana Amaral Dias até à participação de Humberto Delgado “em ac[to]s terroristas que vitimaram crianças”. O homem está nos píncaros. Não só recebeu um convite de Trump para participar na convenção do Partido Republicano como confessou na manifestação ter tido um chamamento ou uma inspiração divina: “Alguma coisa me disse que não podíamos recuar e que Deus estaria no comando.” Nesta arriscada tangente ao estilo Bolsonaro, não há duas interpretações possíveis: ou o Divino se filiou no Chega ou trata-se de uma desavergonhada invocação do nome de Deus em vão. Em breve André poderá recriar a palavra de ordem de Bolsonaro. Qualquer coisa como: Portugal acima de tudo, Deus acima de todos e o Chega à espreita. Para felicidade da Maria.
Imagem: Vip.pt