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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

NOVO BANCO, VELHOS HÁBITOS

Agosto 02, 2020

J.J. Faria Santos

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Primeiro foi o ring fencing para conter o risco sistémico. No fundo, uma espécie de cerca sanitária para tentar preservar o BES dos efeitos patogénicos do GES. Depois veio a resolução e a concomitante criação do Novo Banco, nascendo assim a ficção do banco mau e do banco bom. Na verdade, o banco péssimo e o banco mau. Não deixa de ser irónico que a palavra resolução tanto possa significar “solução de um caso ou de um problema” como “mudança de estado sem alteração da natureza”. Está na natureza das instituições financeiras que a solenidade conviva com uma certa impunidade que o poder confere, que a auto-suficiência e o sigilo conflituem com o escrutínio dos auditores e dos reguladores e que a expertise dos banqueiros tenda a olhar com sobranceria as objecções do comum dos mortais. Porque no fundo, nós, contribuintes, perdidos no nevoeiro da ignorância, ofuscados pelo brilho do jargão que nos arremessa palavrões como “imparidades” ou “alavancagem”, jamais seremos capazes de reconhecer que tudo se desenrola segundo as melhores práticas do mercado.

 

E assim se vão multiplicando os efeitos da epidemia malsã cujo paciente zero foi o BES (o banco péssimo), sem que o seu sucessor, o Novo Banco (o banco mau), se mostre capaz de travar ou minimizar os seus efeitos hemorrágicos, directos ou indirectos, sobre o erário público. E agora, sob o efeito-choque da divulgação, feita pelo jornal Público, do “maior negócio imobiliário em Portugal nos últimos anos”, em que um “fundo das Caimão comprou casas do Novo Banco com o crédito deste” (na verdade casas e terrenos, com um valor bruto de 631 milhões de euros, alienados por 364 milhões), um clamor atravessou a sociedade portuguesa. Um brado fatalmente condenado a esmorecer na tibieza da indignação moral, porque terá sido tudo perfeitamente legal e com a bênção do Fundo de Resolução, que assegura que avaliou a credibilidade do comprador (que não se sabe quem é, mas isto é um pormenor de reduzida importância, o que é relevante é que terá feito a melhor proposta). Money talks e as melhores práticas acomodam-se.

 

Na síntese desassombrada de João Miguel Tavares, no Público de 30 de Julho, “O golpe de génio da alta finança predatória (…) está em transformar aquilo que antes se chamava ‘roubo’ num conjunto de operações financeiras extremamente opacas e complexas, pejadas de conflitos de interesse e… perfeitamente legais.” Tão “opacas e complexas”, atrevo-me eu a dizer, que o próprio Ricardo Salgado necessitaria certamente da assessoria do seu talentoso commissaire aux comptes para as compreender em toda a sua amplitude. Seria motivo para vociferar que “isto é uma vergonha!”, não se desse o caso desta expressão se ter desvalorizado pelo seu uso desregrado.

 

Imagem: 24.sapo.pt

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