NAOMI, PROUST E O IMPÉRIO
Abril 29, 2015
J.J. Faria Santos
Talvez pareça desajustado (porventura sacrílego tendo em conta o estatuto canónico de Proust) aplicar a Naomi Campbell as palavras escolhidas pelo escritor para sumarizar o look da senhora Swann: “Sentia-se que ela não se vestia apenas em função da comodidade ou do enfeite do seu corpo; andava envolvida na toilette como no aparato subtil e espiritualizado de uma civilização.” Mas o facto é que, ao vê-la desfilar pelo plateau da série Empire, com as suas gloriosas maças do rosto e o seu distintivo sotaque britânico, exibindo o seu talento intacto e inato para o conflito, não pude deixar de imaginar, de igual modo, que de Naomi se poderia dizer o mesmo que os rapazes que Proust citava: “A senhora Swann é toda uma época, não é?”.
Sobrevivente em grande estilo de uma era de excessos, Naomi renasce em modo cougar, seduzindo o filho do magnata da indústria discográfica protagonista da série. Pode um certo instinto predatório corresponder a uma ilusão de infusão de juventude sempre condenada ao fracasso, porém, quando executado com panache, separa a distinta mulher madura da tonta envelhecida. E coragem, bem o sabemos, nunca lhe faltou, mesmo que ao serviço do destempero e da raiva mal direccionada.
Claro que o encanto deste género de deusas é reinarem nos ecrãs ou nas páginas das revistas, protegidas pela inacessibilidade ou pela exposição calculada. Doutro modo, incapazes de preservar a distância, sucumbiríamos à tentação da proximidade para concluir da crueldade da visão da diva ao natural. Nada de particularmente grave, pois, como explicou Proust: “Para tornar a realidade suportável, somos todos obrigados a alimentar em nós algumas pequenas loucuras.”
(Citações de Marcel Proust extraídas de “Em busca do Tempo Perdido – À Sombra das Raparigas em Flor”, tradução de Pedro Tamen, edição Círculo de Leitores)