MUDANÇA SEGURA UM BOCADINHO ARRISCADA (CONFESSA ELE)
Fevereiro 18, 2024
J.J. Faria Santos
Esta meta é “um bocadinho arriscada, mas o país precisa de arriscar”, disse Luís Montenegro acerca dos 3,4% de crescimento do PIB previstos pela AD para 2028. O risco estará sobretudo na crença de que o chamado “choque fiscal” (que implica uma quebra de 1500 milhões de euros na receita de IRC e de 3000 milhões de euros na receita de IRS) terá um efeito indutor no crescimento que tornará compatível o “desaparecimento” de 7240 milhões de euros do orçamento com superávites orçamentais todos os anos e uma dívida pública de 80,2% do PIB em 2028. A própria coligação reconhece que o cenário macroeconómico “é marcado por uma forte incerteza em vários domínios”. De facto. Basta evocar as 11 economias da EU que se contraíram em 2023. Ou a economia alemã estagnada (previsivelmente a crescer 0,2% em 2024) a condicionar decisivamente a retoma europeia (0,9% de crescimento do PIB em 2024). Ou ainda a circunstância da guerra na Europa a criar instabilidade e imprevisibilidade.
No que diz respeito ao IRC, a AD propõe a “redução das taxas de IRC, começando com a redução gradual de 2 pontos percentuais por ano até aos 15% no final da Legislatura”. A coligação acha que se deve caminhar “no sentido de eliminar, de forma gradual, a progressividade da derrama estadual, e de eliminar a derrama municipal em sede de IRC”, mas não calendariza. Nem se pronuncia acerca de um desagravamento das tributações autónomas (que incidem, por exemplo, sobre despesas das viaturas, ajudas de custo ou despesas de representação). Muito menos esclarece como irá ser a evolução da taxa de IRC de 17% que hoje é aplicável aos primeiros 50 000 € de matéria colectável das empresas caracterizáveis como PME e Small Mid Cap (emprega menos de 500 pessoas).
Apesar de a taxa nominal de IRC ser de 21% (17% nos casos acima mencionados), a que acrescem as tributações autónomas, a derrama municipal (valor máximo 1,5%) e a derrama estadual (para empresas com lucro tributável acima de 1.500.000 € com 3 escalões de taxas – 3%, 5% e 9%), os dados estatísticos de 2021 revelam que a taxa média efectiva do imposto pago pelas empresas foi de 18,9%, não muito distante dos 15% de taxa nominal de IRC proposta por Montenegro para o final da legislatura (e significativamente abaixo da taxa estatutária de 31,5%, que agrega a taxa nominal de 21%, a derrama de 1,5% e a taxa mais elevada da derrama estadual – 9% aplicável ao lucro tributável que exceda os 35 milhões de euros). Como a AD também se propõe efectuar uma “forte simplificação fiscal, eliminando exceções, regimes especiais e incentivos fiscais dispersos”, fica a dúvida se estará a ser equacionada alguma poupança com benefícios fiscais, que em 2022, só em sede de IRC, representaram uma despesa fiscal de 1 638 milhões de euros. Ponderados todos os factores, e dependendo do mix e da calibragem da política fiscal, não me admiraria se o “choque fiscal”, caso viesse a ser aplicado, se acabasse por revelar pífio. Nas intenções e, muito mais, no efeito prático.