MONTENEGRO PODERIA DISPARAR SOBRE ALGUÉM NA AVENIDA DA LIBERDADE QUE NÃO PERDERIA UM VOTO?
Maio 04, 2025
J.J. Faria Santos
O Luís “gosta muito de governar” e os portugueses parecem inclinados a “deixar o Luís trabalhar”. Como o português típico, o Luís preocupa-se com o futuro dos filhos, não aprecia que lhe devassem a “vida privada”, gosta do Tony Carreira e de comemorações dedicadas à família.
O Luís tem uma empresa familiar. A sede é na sua moradia em Espinho de mais de 800 m2 e oito casas de banho. O contacto da empresa era, até há muito pouco tempo, o seu telemóvel pessoal. Deixou de ser sócio da empresa a 30 de Junho de 2022, mas, juridicamente, a empresa continuou a ser dele, dado que faz parte dos bens comuns do casal. Digamos que não é plausível que, num momento de desarmonia familiar, a Carla Maria, caso fosse tão fã da Ágata como ele é fã do Tony Carreira, desatasse a trautear para o Luís Filipe: “Podes ficar com as jóias, o carro e a casa / Mas não ficas com a Spinumviva”.
Desde Julho de 2021 até muito recentemente, o grupo Solverde pagou à Spinumviva (logo a Montenegro) uma avença mensal de 4500 €, o que levou o insuspeito João Miguel Tavares e escrever no Público que “aquilo que temos na prática é um primeiro-ministro a ser pago por empresas privadas no exercício do seu cargo. Isto vai muito para além dos conflitos de interesse. É mesmo um enorme escândalo nacional”. Do que se conhece deste e de outros clientes, o dia a dia da empresa dependia de colaboradores externos, o que não impedia margens de lucro estratosféricas. A “colaboradora” Inês Varajão Borges admitiu que a actividade da empresa era “um trabalho que se autogeria”, a partir dos clientes angariados pelo Luís.
Se a hipótese de o Luís ter violado a lei da exclusividade de funções divide os juristas, não parece haver dúvida de que ele foi avarento e nada exaustivo no cumprimento das obrigações declarativas inerentes ao desempenho de cargos públicos. As suas inexactidões e omissões declarativas impediram ou adiaram o escrutínio de potenciais conflitos de interesse.
Tempos houve em que o partido sob a liderança do Luís escarrapachou num outdoor: “Corrupção e falta de ética. Já não dá para continuar”. Era no tempo em que o Luís “não tinha mesmo limites”. Tempos houve em que o Luís defendia que escolher a “vitimização” era “não responder a nada, não esclarecer nada”. Agora, o Luís é adepto da transparência gradual, a conta-gotas, e encara o escrutínio democrático como uma afronta à sua probidade.
O grande trunfo do Luís é a sua ligação aos portugueses. Ele poderia disparar sobre alguém na Avenida da Liberdade (ou no Martim Moniz) que não perderia um voto. Os líderes tradicionais almejam convencer pelo dom da palavra, pela eloquência; o Luís, num patamar superior, inspira pelo silêncio, pela economia das palavras. Ele confia que os agravos, as desconfianças da elite e as agressões da bolha mediática serão trucidadas pelo sufrágio popular. Purificado e relegitimado o grande líder, teremos então um perpétuo “S. Bento em Família”. “Deixa a gente ser feliz / Deixa o Luís trabalhar/ Que um novo futuro vai acontecer”, cantar-se-á numa apoteose de fé e paroxismo. No dia 18 de Maio, longe da Cova da Iria, na sede da Spinumviva, celebrar-se-á o início do “novo futuro”, confiando que os esqueletos do passado estarão definitivamente enterrados. A menos que o inesperado aconteça.