MONICA E O DESEJO
Abril 03, 2018
J.J. Faria Santos
Mais de vinte anos passados desde os episódios que o jornal Folha de S. Paulo definiu, de uma forma prosaicamente poética, como “Sexo oral no salão oval”, Monica Lewinsky reflecte na Vanity Fair acerca das circunstâncias que rodearam a infame soap opera político-judicial. Revelando ter-lhe sido diagnosticado stress pós-traumático, confessa que na era do Time’s up já não se sente sozinha.
Monica continua a frisar que se tratou de um relacionamento consensual e não descarta as suas responsabilidades, mas ao 44 anos diz estar a interiorizar o “vasto diferencial de poder” que existia entre um presidente e uma estagiária, entre ela e o seu chefe, “mais velho 27 anos, com uma experiência de vida” que deveria ter ditado outro comportamento.
Num artigo em que começa por citar Salman Rushdie – “Aqueles que não têm poder sobre a história que domina as suas vidas, poder para a recontar, repensar, desconstruir, fazer humor acerca dela e mudá-la à medida que os tempos mudam, sentem-se verdadeiramente impotentes, porque não podem pensar novos pensamentos” –, explica que tem tentado alcançar esse poder, mas que se trata de uma tarefa comparável à de Sísifo. Num testemunho da sua capacidade de resistência face à adversidade, termina a peça citando um provérbio mexicano: “Eles tentaram enterrar-nos; não sabiam que éramos sementes”.
E por falar em sementes, ficou na memória de todos o facto de ela ter guardado por um período de cerca de ano e meio um vestido azul com uma mancha do sémen presidencial. Talvez o facto de se ter deixado fotografar agora novamente com um vestido dessa cor seja uma forma de reclamar o poder de recontar a história, de transferir a vergonha para quem abusou desse poder. Independentemente do desejo.