MINISTRO À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Outubro 20, 2024
J.J. Faria Santos
A ideia de um ministro dos Negócios Estrangeiros, chefe da diplomacia, a proferir ofensas e a gritar com o chefe do Estado-Maior da Força Aérea e, posteriormente, a recusar-se a cumprimentar o comandante do Aeródromo de Figo Maduro, é algo que remete para um carácter irascível e impulsivo. Que Paulo Rangel, descontente com “uma questão protocolar”, tenha dado asas ao seu temperamento, e que o tenha feito em público e não no recato dos gabinetes, sugere um perfil quase de tiranete, em que a forma como se equacionam as falhas resvala para a humilhação pública em vez da censura firme mas serena.
Sabemos que Rangel é cultor do repúdio selectivo à “claustrofobia” das instituições democráticas, preocupado com as condições do exercício da liberdade e com a alternância democrática, mas só em Portugal Continental. Se tal ocorrer, digamos, na Região Autónoma da Madeira, não consta que tenha sentido necessidade de verbalizar a sua indignação. Intuímos, a partir do seu registo discursivo, empolado e gongórico, que aprecia e será cultor dos rituais que permeiam as instituições judiciais, carregados de salamaleques e impressivos tiques de autoridade. Presumimos que das instituições militares, onde a disciplina e o respeito hierárquico são fundamentais, ele esperaria um comportamento exemplar e sem mácula. Não sabemos que tipo de falha protocolar terá ocorrido, e se tal resultou no desrespeito da sua condição de ministro, mas, qualquer que tenha sido a razão, nada justifica a reacção desabrida.
Nenhuma das partes esteve disponível para comentar o episódio. E uma fonte da Presidência esclareceu ao Correio da Manhã que o comandante supremo das Forças Armadas “não foi notificado, por nenhuma entidade competente, dos alegados eventos”. A notícia do citado diário sugere que, caso não gozasse de imunidade, Rangel arriscaria uma “pena de prisão de um mês a dois anos”.
Como o Governo está em estado de graça, ninguém na hierarquia das Forças Armadas empunhou a bandeira do desrespeito pela condição militar. O senhor ministro vociferou, ofendeu, recusou o cumprimento e os militares amocharam, por respeito, por vergonha alheia ou por sentido de Estado. Bullying político, claustrofobia de caserna. Não resisto a imaginar que se o episódio se tivesse passado com o chefe do Estado-Maior da Armada, e em pleno oceano, ter-se-ia escutado o grito de “Homem ao mar!”.
Imagem: portugal.gov.pt