MARCELO ÜBER ALLES
Abril 16, 2019
J.J. Faria Santos
Ele é um eminente constitucionalista. Para quê recorrer ao Tribunal Constitucional? Ele acha imperioso regular as nomeações familiares para a Presidência da República. O Presidente não tem iniciativa legislativa? Perdão! Iniciativa (e energia) é coisa que não lhe falta. E ele lá é político para se inibir com as limitações constitucionais. Que ele própria interpreta (Tome lá, senhor primeiro-ministro, um anteprojecto de lei que eu redigi! E que eu garanto, desde já, promulgar!). Ele estará apenas a redefinir as fronteiras do semipresidencialismo. É a híper-magistratura de influência, que pode ir dos discursos em que ensaia demissões de ministros até às declarações em que aponta que partidos devem aprovar as leis de bases, passando pelas pressões (benignas, claro) sobre a Justiça (Tancos está a demorar uma eternidade!).
Parece que, inicialmente, o Presidente propunha a proibição de nomeações até ao sexto grau (situação que Ana Sá Lopes no Público sugeria poder obrigar “à contratação pública de especialistas em genealogia”), mas, segundo o Expresso, a “conversa com o primeiro-ministro levou Marcelo a recuar” para o quarto grau (primos). Terá faltado ponderação à formulação inicial ou a cooperação institucional com o “optimista irritante” resultou num módico de bom senso? (O próprio Marcelo já terá analisado esta questão, do ponto de vista dos dois intervenientes.)
O Presidente inscreveu-se na vida dos portugueses muito para além da sua função institucional. Ele é o provedor dos afectos, o pronto-socorro emocional. Parece omnipresente, presumem-no omnipotente. Uma presunção que ele alimenta, mesmo por omissão. Desdobra-se em missões de proximidade (uma inesperada expedição a um velório para “dar os sentimentos”, uma inopinada audiência concedida a uma mulher que não quer morrer sem o conhecer) e em confidências de pé de orelha (acerca dos “ricos” que conheceu). Está todos os dias num ecrã perto de si, preparado para o imortalizar numa selfie e para se imiscuir na sua iconografia pessoal. Há quem lhe chame populismo benigno. Ele só quer ser amado. Ele não é totalitário, tem é a vertigem do totalista. No jogo da política quer recolher todos os pontos. É como um maestro célebre que presume saber tocar todos os instrumentos da orquestra e não nutre particular apreço pelos solistas.