MADONNA PERDEU A FACE?
Fevereiro 12, 2023
J.J. Faria Santos
A mulher das mil caras terá perdido a face, dizem. A mãe de todas as reinvenções, da reciclagem dos looks clássicos de Hollywood ao vanguardismo com um toque trash, é agora acusada de se descaracterizar numa manobra ousada para enganar o espelho do tempo. Luís Osório escreveu que “numa das últimas madrugadas o mundo soube que não mais verá Madonna”.
Claro que o “problema” não é apenas a imagem; é o petulante e insolente hábito de dizer o que pensa e a recusa em adoptar um estilo de vida visto como apropriado para a sua idade e o seu estatuto. Como se uma provocadora especializada em esticar os limites do interdito se acomodasse aos estereótipos da alta burguesia, e se remetesse a fugazes aparições de prestígio em talk shows e se refugiasse no museu de uma carreira de sucesso. Para quem, como Madonna, a memória e o passado são detonadores do processo criativo, isto seria impensável.
“Poor is the man whose pleasures depend on the permission of another”, declamava ela em Justify my Love, um exercício de spoken word em colaboração com Lenny Kravitz, que pode ser visto como um mote para a carreira e para o seu projecto de vida. Esta radical independência, esta afirmação do prazer despojado de pecado, tanto se manifesta na ousadia dos temas e na encenação da sua música como na predilecção por namorados décadas mais novos ou na redefinição das linhas do seu rosto ou ainda na reformatação do seu corpo. Em reacção aos comentários adversos em relação à sua aparição na cerimónia dos Grammys, Madonna reagiu aludindo ao “idadismo” e à “misoginia”. E rematou: “Nunca pedi desculpa pela minha aparência e não é agora que vou começar.”
Podemos sempre admitir que ao contrário do que aconteceu até há pouco tempo na sua carreira, em que ela recorreu a imagens reconhecíveis do passado para entre o pastiche e a recriação actualizar modelos de glamour, Madonna tenha agora optado por se aproximar de uma sensibilidade do futuro que transcende o humano. O que pode explicar que muitas pessoas vejam no formato do seu rosto em publicações no Instagram, seja por efeito de intervenções estéticas, maquilhagem ou utilização de filtros, uma qualidade alienígena.
O que importa é que Madonna se reconheça no rosto que oferece ao mundo. E que a diferença não se transforme em estranheza, ainda para mais em relação a quem, como ela, sempre fez a apologia da diversidade e da inclusão. Aproximação à estética ciborgue, arremedo de body art ou simples batalha necessariamente inglória contra o passar do tempo, é Madonna, como sempre, que comanda a performance, e o espectáculo, como sabemos, tem de continuar. E não falta quem pague para ver.
Imagem: Luigi & Iango (Vanity Fair - The Icon Issue)