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NO VAGAR DA PENUMBRA

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JUSTIÇA CEGA COM CÃO-GUIA

Julho 16, 2023

J.J. Faria Santos

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Da ironia provocatória à varanda, enquanto 10 polícias lhe vasculhavam a casa, até à desassombrada e corajosa entrevista à SIC em que acusou o Ministério Público de estar a “destruir a democracia”, Rui Rio foi o protagonista da semana. Assumiu-se como uma espécie de político sem medo – “Vão descobrir tudo o que roubei. Estou cheio de medo”, gracejou.

 

O ex-líder do PSD é uma figura controversa. Num perfil que traçou dele para o Público em Janeiro de 2018 Manuel Carvalho escreveu: “No homem comum que diz gostar de ser coexiste uma ambição que, em conjunto, o tornam ao mesmo tempo temível e frágil, inspirador e banal, visionário e provinciano, solidário e autocrata, austero e demagogo, afável e feroz”. E notando a sua propensão para “separar as águas” e “fugir ao politicamente correcto”, Carvalho destacava a “sua imagem de político impoluto e insensível aos interesses”.

 

Rui Rio é um crítico de longa data do sistema judicial. Em Abril de 2021 afirmou: “As constantes violações do segredo de justiça durante a fase de investigação e a intoxicação da opinião pública com todo o tipo de histórias – falsas ou verdadeiras – é um caminho que a Justiça, e em particular muitos agentes do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal, decidiram seguir (…), triturando na praça pública culpados e inocentes e, acima de tudo, triturando-se a Justiça a si própria, e descredibilizando-se de forma dramática à luz dos princípios de um Estado de direito democrático.”

 

A colaboração, para não dizer conluio, entre o Ministério Público e a comunicação social esteve bem à vista com a busca ao apartamento de Rui Rio a ser objecto de directo televisivo, propiciando o one-man show do visado, como que apanhado numa peça de teatro do absurdo. Estranha-se que uma instituição que passa a vida, porventura com razão, a queixar-se da falta de meios, tenha mobilizado tantos inspectores para buscas num caso que está sob inquérito pelo menos desde 2020, e se reporta a uma prática corrente e generalizada, cuja fronteira entre a legalidade e a ilegalidade, simplificando, pode residir no facto de se considerar ou não que “os órgãos do Parlamento são órgãos do partido” e se a “subvenção” pode ser utilizada  para actividades “fora de tarefas meramente parlamentares" (citando Marcelo Rebelo de Sousa).

 

Na sempre tensa relação entre o sistema judicial e o poder político invocam-se a suspeita do condicionamento e a acusação de corporativismo, o racionamento de meios e o receio do uso de quaisquer meios para fins inconfessáveis, numa espécie de jogo da corda em que, na falta de equilíbrio, o resultado será sempre a politização da justiça ou o triunfo do justicialismo. No ponto que que estamos tendo a concordar com Rui Rio, figura pela qual não tenho especial simpatia, no ponto em que ele afirma que “quando o Ministério Público dá a entender que são todos corruptos, é a democracia que estão a atacar”. Ou, como sintetiza Pacheco Pereira no seu artigo de ontem no Público: “Os meios mobilizados, cem inspectores e um dia de buscas, com total e desejada exposição pública, apontam claramente para mais uma tentativa justicialista de ilegalizar a política, como se fosse um lugar de crime”.

 

Acredito num regime político assente no poder soberano do voto popular que elege os seus representantes. Abomino um sistema judicial disfuncional alimentado pela coligação MP (Ministério Público)-CS (comunicação social) que descamba numa  grotesca justiça popular susceptível de provocar o desmoronamento do edifício democrático. A relação simbiótica MP-CS está a parasitar a democracia.

 

Imagem: poligrafo.sapo.pt

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