JESUS, CRISTINA E O ESPÍRITO SANTO
Julho 19, 2020
J.J. Faria Santos
A crença na segunda vinda de Jesus Cristo à Terra tem a designação de parusia, muitas vezes associada ao cumprimento do Juízo Final. O regresso de Jorge Jesus ao Benfica será equivalente a um recomeço (uma espécie de regresso à Terra Prometida). De Juízo Final terá, quando muito, o obliterar da herança da dupla Rui Vitória/Bruno Lage, não deixando pedra sobre pedra, ao mesmo tempo que ameaça remeter para a estratosfera a estratégia de aproveitamento da formação. Em 2016, Luís Filipe Vieira bradava que Jesus tinha uma “maneira de trabalhar” que não servia “os interesses do Benfica”. O mundo mudou, o presidente benfiquista acenou com 3 milhões e os dirigentes do Flamengo receberam com incredulidade a notícia da perda do idolatrado técnico.
Têm em comum o Jorge, nome próprio num caso, apelido no outro. Só que a vedeta televisiva que agora regressa à TVI é sobejamente conhecida como Cristina (que significa cristã ou ungida por Deus) Ferreira. A SIC, se não ficou incrédula, considerou pelo menos, a decisão “abrupta e surpreendente”. Já a apresentadora (em vias de se tornar accionista e administradora na Media Capital) estaria aparentemente insatisfeita por não ter mais influência na área de entretenimento da SIC. Acenaram-lhe com um “projecto ambicioso”, triplicaram-lhe o ordenado (um valor que rondará os 3 milhões) e eis que Cristina regressa à casa-mãe. Nada é irremediável e nada é definitivo. Como ela própria escreveu: “(…) “o meu para sempre é muito estranho. É que nele está incluído o sair para continuar a crescer.” É crime ter ambição, desejo de alargar o raio de acção profissional, aceitar propostas de trabalho irrecusáveis?
Crimes, disse ele (o Ministério Público). 65 na totalidade atribuídos ao Espírito Santo. Ricardo Salgado na versão abreviada do nome com pedigree, ao qual não falta, porém, um quase plebeu Silva. O homem que geria influências e exercia o poder quase somente com um arquear de sobrancelha terá, com a sua acção danosa, infligido perdas da ordem dos 11,8 mil milhões de euros (3,5 mil milhões dos quais ao BES).A provar-se a acusação agora tornada pública, Espírito Santo terá sido o cérebro de uma rede criminosa que recorreu a formas mais ou menos sofisticadas de burla e falsificação. Ao contrário de Jorge Jesus e Cristina Ferreira, que legitimamente conjugam as suas ambições com as oportunidades que o mercado de trabalho lhes proporciona, Ricardo Salgado é o único, nesta heterodoxa santíssima trindade de figuras públicas, que, encurralado pelos erros próprios e pelas circunstâncias, não terá hesitado em recorrer a esquemas ilícitos para tentar preservar um império, cuja derrocada acabou por precipitar.
Imagem: Ilustração de Cristina Sampaio para o jornal Público.