IRS: O CASO DO REEMBOLSO DESAPARECIDO (FAQS)
Abril 12, 2025
J.J. Faria Santos
Houve ou não um desagravamento do IRS para os rendimentos de 2024?
Claro que sim. O Governo, inaugurando um padrão de falta de transparência e de propaganda sem pudores de rigor, começou por anunciar um corte de 1500 milhões de euros. Mais tarde o ministro da Finanças foi forçado a clarificar que este valor incluía uma redução de 1327 milhões já deliberada pelo executivo de António Costa. Posteriormente o Governo de Montenegro recalculou o corte de Costa para os 1 160 milhões e propôs um alívio adicional de 340 milhões. Como o PS discordava da distribuição do desagravamento pelos diversos escalões, apresentou a sua própria proposta, que viria a ser aprovada, representando um custo fiscal de 450 milhões. Ou seja, o desagravamento total de 1610 milhões de euros corresponde ao proposto pelo PS.
Mas se houve uma baixa no IRS, por que motivo os reembolsos são menores e há contribuintes a ter de pagar imposto além do que já retiveram?
Como as retenções na fonte são um adiantamento mensal por conta do imposto a liquidar na sequência da apresentação da declaração de IRS, a forma mais fácil de determinar se se paga mais ou menos IRS é comparar na demonstração de liquidação de IRS/simulação o valor inscrito na linha colecta líquida do ano corrente com o do ano transacto. É a diferença, positiva ou negativa, entre a colecta líquida e as retenções na fonte que determina se há reembolso, pagamento adicional ou até mesmo nenhum valor a regularizar. Portanto, quem reteve menos fica sujeito a um reembolso menor ou até a um pagamento.
E se tiver havido uma disparidade significativa no rendimento de um ano para o outro, como posso saber se houve ou não um desagravamento efectivo?
Pode sempre comparar a taxa efectiva de tributação, que se determina dividindo a colecta líquida pelo rendimento colectável.
Faz sentido preparar tabelas que reduzem as retenções para no final o reembolso ser diminuto e em muitos casos o contribuinte ter de pagar?
A situação ideal seria a de que após a apresentação da declaração de IRS o declarante não tivesse nada a pagar ou a receber. Como tal não é muito fácil de aplicar de forma universal, tendo em conta, nomeadamente, os diferentes tipos de rendimento e, sobretudo, as deduções à colecta que variam de contribuinte para contribuinte, eu diria que o adequado será a elaboração de tabelas de retenção conservadoras que privilegiem uma eventual retenção em excesso em alternativa a retenções escassas que possam dar origem a pagamentos significativos.
O Governo fez mal em ter mexido nas tabelas de retenção da forma como o fez?
O Governo fez questão de que as pessoas sentissem o desagravamento fiscal no rendimento disponível no final de cada mês, ou seja, menos imposto retido e mais ordenado líquido a receber. Preparou, inclusivamente, tabelas de retenção especiais para dois meses (Setembro e Outubro) de forma a gerar um efeito retroactivo de alívio fiscal. A retenção praticada nestes dois meses, bastante reduzida ou até inexistente no caso dos rendimentos mais baixos, acabaria por gerar alguma dificuldade às entidades empregadoras para explicar por que motivo a retenção baixava drasticamente nestes dois meses e tornava a subir em Novembro, ainda que para valores inferiores a Agosto.
Na altura a Deco já alertava que o efeito de diminuição do valor dos reembolsos e para casos em que haveria pagamento. Esta semana, ao jornal Expresso, Miguel St.Aubyn, professor catedrático de Economia no ISEG, declarou que caso “contribuintes de baixo rendimento” tenham de pagar IRS com a entrega da declaração modelo 3, “estaremos perante um sobreajustamento. Teria sido preferível um ajustamento mais gradual das tabelas de retenção”.
Os cálculos políticos ter-se-ão sobreposto à prudência técnica?
É altamente provável. O que poderá ter levado o Governo a valorizar o “rendimento disponível para as famílias” ao longo do ano de 2024, e a desvalorizar o impacto num orçamento familiar sob pressão, e sem elasticidade para suportar gastos inesperados, de um pagamento de IRS em 2025 da ordem das centenas de euros ou até de milhares. Não terá estado ausente do espírito dos governantes a hipótese de tirar dividendos políticos do efeito na liquidez das famílias de um “sobreajustamento” cujo efeito mais notório poderia coincidir com eleições antecipadas motivadas pelo chumbo do orçamento. Curiosamente, em Julho, ainda antes de Marcelo ter promulgado a descida adicional proposta pelo PS, o ministro das Finanças temia pela perda de receita. O Presidente da República, numa daquelas notas em que a ironia se cruza com o maquiavelismo, fez questão de notar que “o momento da repercussão nas receitas do Estado está dependente da regulamentação do Governo, através da fixação das retenções na fonte, pelo que podem também só ter impacto no próximo ano orçamental”. Se estava preocupado com a perda de receita, o Governo poderia ter optado por não ter mexido nas tabelas de retenção, que já tinham sido alteradas no início do ano, incorporando a redução significativa do IRS orçamentada por António Costa. De certa forma, Montenegro preferiu o “impacto no próximo ano orçamental”. 2025. Para os contribuintes.
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