HOPPERÁTICO II - AS MULHERES DO PRESENTE INACESSÍVEL
Junho 24, 2015
J.J. Faria Santos
"Quarto de hotel" de Edward Hopper (Courtesy of www.bertc.com)
Um ensaio de Mark Strand acerca do pintor Edward Hopper, originalmente escrito como uma crítica a uma exposição de 2013 do Museu Whitney, publicado este mês na New York Review of Books ( e disponível online), avança com uma justificação para o seu “apelo universalista”. O que torna os seus quadros interessantes, sugere Strand, não é a representação da Nova Iorque da primeira metade do século XX, “a visão datada dos quartos de hotel, das pessoas em escritórios com um olhar vazio ou sonhador”. E explica: “Algo eleva os quadros para além dos registos representacionais do realismo até ao sugestivo e quase místico domínio da meditação”. E nota que palavras como “solidão” e “alienação” são repetidamente utilizadas para “descrever o carácter emocional dos seus quadros”.
O ensaísta destaca, como traço distintivo, “a ausência de erotismo” nos quadros de Hopper que representam mulheres sozinhas em quartos de hotel, entendendo-as como figuras que “pertencem à natureza formal” desses quartos, visivelmente separadas, por assim dizer, do mundo real. Strand vê-as como não tendo passado nem futuro, “ganham vida nos quartos em que as vemos”. E encarando a tentativa de “criar narrativas” a partir das obras do pintor como uma forma de as “sentimentalizar” e “trivializar”, uma maneira do espectador demonstrar a sua incomodidade face a um universo impenetrável que preserva o mistério, Mark Strand chama a esta resistência ao romancear “a desagradável rasura da narrativa, ou de qualquer estrutura formal que ajudasse a normalizar o incomum como um elemento inexplicável das nossas vidas”.
Numa época em que tudo se expõe e tudo é pretexto para a exégese, onde os sujeitos e os seus comportamentos são minuciosamente catalogados, onde a reserva e a heterodoxia são vistas como excentricidades vagamente toleradas e não como manifestações de liberdade, esta apologia da singularidade das mulheres do presente inacessível é uma validação do potencial transgressor do inexplicável.