FRANCAMENTE, DONALD
Agosto 16, 2016
J.J. Faria Santos
Frank Bascombe diz que a memória, “caso não surja a doença de Alzheimer, nunca nos deixa recuperar das derrotas”. Eis algo que não parece afectar o candidato Trump. É possível que o seu ego instale, com a rapidez e a acutilância de um tweet, uma desmemória benigna que o afaste da consciência dos dislates que propaga. Bascombe diz também que “o silêncio é a melhor defesa contra as não entidades – deixa-as tornarem-se insubstanciais, como um nevoeiro em retirada”. Esta é uma opção tentadora – deixar a verborreia insana do magnata atolá-lo na mediocridade das suas credenciais como homem de Estado – , mas não creio que seja suficiente para lhe barrar o acesso à Casa Branca. Quebrar o encantamento do eleitorado médio americano com o populismo acéfalo e o voluntarismo prepotente do candidato implica uma atitude mais pró-activa, única forma de evitar que o tal nevoeiro em retirada se transforme no nevoeiro letal do filme de John Carpenter. Porque Donald Trump parece ter afinidades com Fike Birdsong, que Bascombe descreve como um “licenciado por Princeton e pelo Theological Institute (…) a quem ninguém no seu perfeito juízo confiaria uma congregação de cabras” e de quem diz “pertencer a uma estirpe rara de cretinos”.
(Frank Bascombe e Fike Birdsong são personagens criadas pelo escritor Richard Ford. Os extractos citados neste post pertencem ao seu livro mais recente, Francamente, Frank, editado em Portugal em Abril do ano corrente pela Porto Editora, com tradução de Artur Lopes Cardoso.)