ESTIGMATIZAR OS POBRES
Dezembro 17, 2014
J.J. Faria Santos
A taxa de risco de pobreza, antes de qualquer transferência social, era de 37% em 2000, 40% em 2006 e 46,9% em 2012. Após transferências relativas a pensões e restantes prestações sociais, os valores cifravam-se, respectivamente, em 20%, 18,1% e 18,7% (Pordata). Segundo o INE, em 2012 acentuou-se a tendência de crescimento do risco de pobreza para os menores de 18 anos (mais 2,6% em comparação com 2011), bem como para a população em idade activa (mais 1,5% do que em 2011). Já o risco de pobreza na população idosa manteve a tendência de redução.
Dado que a taxa de risco de pobreza está condicionada pelas alterações do rendimento mediano, o INE procedeu ao cálculo de “uma linha de pobreza ancorada em 2009” e actualizada para os três anos seguintes, concluindo pelo “aumento da proporção de pessoas em risco de pobreza: 17,9% em 2009, 19,6% em 2010, 21,3% em 2011 e 24,8% em 2012”.
Estranhamente (ou talvez não, se tivermos em conta o estreitamento das regras de acesso), o número de famílias beneficiárias do rendimento social de inserção, que em 2009 ascendia a 192.249, cresceu para 206.700 em 2010, caindo sucessivamente nos anos seguintes e cifrando-se em 148.107 em 2013. Em 2010 eram 526.013 os beneficiários do RSI, número que decresceu para 360.153 em 2013. Refira-se que em 2012, ano em que já vimos que aumentou o risco de pobreza para os menores de 18 anos, é exactamente nesta faixa etária que se verificou a maior redução no número de beneficiários (10.834), tendência que se acentuou em 2013.
A semana passada ficámos a saber, com base num estudo elaborado pela Rede Europeia Antipobreza financiado pela Comissão Europeia, que o rendimento mínimo auferido por uma pessoa que viva sozinha e não tenha outros rendimentos oscila entre os 22 euros na Bulgária e os 1433 euros na Dinamarca, cabendo a Portugal um valor de 178,15 euros. Já um casal com uma criança recebe 3.337 euros na Dinamarca, 74 euros na Bulgária e 320,66 euros em Portugal. Com base nos valores em causa, a ideia mais ou menos generalizada na sociedade portuguesa de que os beneficiários do RSI são pessoas moralmente desqualificadas que se recusam a contribuir para o bem comum, ou que simplesmente se deixaram acomodar na “zona de conforto” por via duma prestação social, é absurda.
Eugénio Fonseca, presidente da Caritas Portuguesa, concedeu uma notável entrevista ao Público, alertando para o facto de que “estigmatizamos os pobres, em vez de estigmatizarmos a pobreza”, e expondo a necessidade de se educar as pessoas para o combate à pobreza, considerando que “o que se tem feito muitas vezes é o combate aos pobres, culpando os pobres”. Afirmando-se contra um “tecto” para efeitos de atribuição do RSI, Eugénio Fonseca critica a visão que o “sistema económico e financeiro” tem de que os investimentos na área social são mera despesa (sem ter em conta os benefícios que podem advir desses investimentos) , e acusa a Europa de ter traído o “ideal dos seus fundadores” ao prescindir da solidariedade para com os países periféricos.
Eis um entrevista que deveria ser lida com muita atenção por toda a gente, e sobretudo por aqueles que se dedicam a grandes e irrevogáveis proclamações morais de dedo em riste contra os beneficiários do RSI, ou que se congratulam por uma política socialmente devastadora não ter atingido somente o “mexilhão”.