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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

ESTADO DE CHOQUE

Abril 14, 2024

J.J. Faria Santos

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Como um tecido delicado, o alívio do IRS, enfiado no tambor da máquina de spin da AD, encolheu significativamente. O Governo tentou salvar a face fazendo notar que desde o Programa Eleitoral o que está previsto é um corte “face a 2023”. O que o primeiro-ministro afirmou no Parlamento está, portanto, formalmente correcto. O problema são os detalhes, claro.

 

Luís Montenegro comportou-se como uma daquelas figuras que por se acharem demasiado brilhantes ou demasiado ocupadas para conseguirem lidar com a ignorância, a escassez de perspicácia ou a rotunda estultícia dos outros optam pela comodidade do silêncio. Se a generalidade da opinião pública e da opinião publicada, em vez de se cingir escrupulosamente à letra do compromisso, elaborou num equívoco a cavalo do esplendor do conceito de “choque fiscal”, se o semanário de referência do regime escarrapachou em manchete “Montenegro duplica descida do IRS até ao Verão” (e também “proposta é mais do dobro daquela que foi feita por Costa este ano), para quê optar por esclarecer de forma “cristalina”? Se a iliteracia financeira se manifestou, se a superficialidade da análise triunfou, se passou pela cabeça da generalidade dos portugueses que a promessa da AD era de um corte de 1500 milhões de euros em cima do efectuado pelo PS, por que razão seria isto culpa de Montenegro? Por que carga de água haveria o primeiro-ministro de Portugal de falar claro aos cidadãos, cortar cerce equívocos, não deixar margem para dúvidas?

 

Interpelado por deputados da Iniciativa Liberal, que frisaram a exiguidade da baixa no IRS, Montenegro teve oportunidade de clarificar a dimensão da redução e optou pela ambiguidade e pela refutação não sustentada em dados objectivos. Há quem ache que é um problema de comunicação, mas o facto é que este episódio seguiu o padrão do anúncio do aumento do “rendimento mínimo garantido por pensionista” que afinal é só para os beneficiários do CSI. Não se percebe bem a insistência numa retórica no limite da falsidade ou, pelo menos, a persistência numa formulação fechada, que se abstém de forma obstinada de clarificar sem delongas. A alternativa é concluir que a ambiguidade é deliberada.

 

Não deixa de ser irónico que, neste caso, o ataque mais violento tenha vindo da comunicação social, designadamente do jornal e de um grupo de média que nunca esconderam a predilecção por uma orientação editorial que contribuisse para conduzir o PSD ao poder. Se o Expresso fez “perguntas ao gabinete do Ministro das Finanças”, podemos concluir que foi enganado pelas respostas obtidas? É que no mesmo dia em que o semanário anunciava a colossal descida do IRS, o Público noticiava que “não se sabe se a redução de 1500 milhões irá somar-se aos cerca de 1300 milhões já previstos”.

 

No mesmo comunicado em que responsabiliza “alguns actores políticos ou mediáticos” por terem “ficcionado a magnitude” da redução das taxas de IRS, o Governo explicita que o Programa Eleitoral da AD continha a exacta delimitação da medida. De facto, na página 97 consta uma tabela com o “impacto orçamental das principais medidas do Programa da AD”. Para a “isenção de contribuições e IRS sobre prémios de desempenho e [para a] redução das taxas marginais de IRS até ao 8º escalão entre 0,5 e 3 p.p. face a 2023” aponta-se um custo de dois mil milhões de euros. A questão é: então na estimativa do impacto de “medidas da AD” incluem-se medidas do Governo PS?

 

O Governo e o primeiro-ministro empunham as bandeiras da lealdade e do rigor. Terão de se esforçar mais para garantirem essa percepção, porque os factos são equívocos. Uma das opções será, porventura, explorar o potencial propagandístico das prelecções dominicais em canal aberto de Marques Mendes e Paulo Portas. Já percebemos que Paulo Rangel e Hugo Soares formam a tropa de choque, o primeiro mais gongórico e enfatuado, o segundo mais primário e estridente, e que Montenegro, seguindo o modelo Cavaco, vai apostar em gerir silêncios e aproveitar as aparições parlamentares para accionar o modo campanha eleitoral. Veremos se a ficção “Derrubem-me ou deixem-me trabalhar” não será cancelada no fim da primeira temporada.

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