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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

DEUS, O DIABO E UM PAÍS À PROCURA DE UM VERSO

Julho 26, 2016

J.J. Faria Santos

Hell-c.-1485.jpg                                           "Inferno" de Hans Memling

 

Deve ser das altas temperaturas…Invocando Cole Porter: “It’s too darn hot”. Ou da política portuguesa parecer cada vez mais um episódio de Outcast (com o Diabo como special guest star). Ou da estridência dos canais de informação, com a multiplicação das notícias de “última hora” em que tudo se equivale. Citando um poema de Diogo Vaz Pinto: “Calmo e quieto, o meu silêncio quase / se torna indelicado no meio da selvajaria / faustosa que tenho por diante.”

 

É quase impossível não ver nesta cacofonia, nesta avalanche de informação, opinião e análise uma atarantada e desorientada tentativa de organizar o caos. Com conselhos, regulamentos, medidas e programas. Com recomendações e coacção. Poderá dar-se o caso de, no futuro, quando alguém fizer a crónica dos nossos dias, os narrar recorrendo a um outro excerto de um poema de Vaz Pinto (Lobos): “O país procurava as palavras. Sem saber / procurava um verso, soluçando uns / números, perdia-se, perdia a voz. / E então chegou o tempo dos poetas.” Lirismo irrealista? Não se esqueçam que foi a prosa que nos trouxe até aqui. Mas é verdade que os poetas não são ingénuos. “Que podem os poetas, diz-me, contra marketeers, / aguados humoristas e outros promotores / da realidade?”, interroga-se José Miguel Silva no seu poema Musa, sinceramente. E, mais à frente, desafia a Musa: “(…) julgas-te / capaz de competir com traficantes de desejos, / decibéis e abraços? És capaz de fazer rir um / desempregado, de excitar um espírito impotente?”

 

Setembro soa a prenúncio de Outono. Folhas caídas, temperaturas amenas. Tendo em conta o seu habitat natural, porque esperará o Diabo por Setembro para se manifestar? De qualquer maneira, nesta arena de divindades e demónios, partindo do princípio que não estão como a Musa do poeta (em desvantagem face aos “traficantes de desejos”), prefiro acreditar em José Tolentino Mendonça, quando ele nos diz que “Muitas vezes Deus prefere / entrar em nossa casa / quando não estamos”.

 

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