DA LIBERDADE, DO PRAZER E DA LEGÍTIMA DEFESA
Outubro 11, 2016
J.J. Faria Santos
"Forbidden Books" de Alexander Mark Rossi
(Courtesy of Bert Christensen)
Em Fevereiro deste ano, em entrevista à revista Gentlewoman, Elena Ferrante defendia o seu anonimato com o desejo de se manter afastada de “todas as formas de pressão social”, de não se sentir constrangida por uma “imagem pública”, tendo como ambição “concentrar-se exclusivamente e em completa liberdade” na escrita. Porque, explicava, fora do seu mundo literário, da autora restava apenas “uma vida privada comum”.
Claudio Gatti terá desvendado agora o nome por detrás do pseudónimo, com base nos seus rendimentos e no seu património, identificando-a como a tradutora Anita Raja. No artigo transcrito na New York Review of Books, Gatti relembra-nos que vivemos numa “era em que a fama e a celebridade são desesperadamente ambicionadas”, e que, apesar de Ferrante desejar resguardar-se, o sucesso dos seus livros tornara inevitável a busca da sua identidade. Não só discordo desta inevitabilidade, como me parece indiscutível que os livros dela jamais serão os livros da Anita. E há uma diferença abissal entre Anita e a Vizinha do Lado e A Amiga Genial. E essa diferença chama-se Elena. Tudo o resto é irrelevante, nomeadamente o produto da mescla de afã detectivesco com auditoria financeira de Claudio Gatti.
Numa interessante entrevista recheada de frases potencialmente controversas, concedida ao jornalista do Público Paulo Moura e publicada no passado dia 21 de Setembro, Arturo Pérez-Reverte ensaiou também respostas à indagação clássica da motivação do escritor para o exercício do seu ofício. Afirmando que escreve por prazer, fez questão de se demarcar dos escritores militantes, explicando que “o escritor não é uma missão humanitária, não é uma ONG. (…) O seu trabalho pode vir a ser útil para os outros, mas não é isso que o move.”
Na entrevista em que censurou vigorosamente o papel histórico da Igreja no atraso de Portugal, Espanha e Itália, o sistema educativo europeu “feito para esmagar a inteligência” e o Islão que considerou “incompatível com a democracia”, Pérez-Reverte defendeu que já estamos “a ter uma guerra de civilizações” (que iremos perder) e que “dentro de 20 anos, chegarão os fascismos”.
“Eu escrevo romances em legítima defesa”, proclamou. E como se pode depreender dos excertos acima transcritos, esta não é uma posição necessariamente de contenção e controlo de danos. É apenas o prólogo da ofensiva em nome do prazer de escrever livros que mudam “o olhar do leitor”.