CUSTE O QUE CUSTAR (MARCA REGISTADA)
Fevereiro 11, 2015
J.J. Faria Santos
O medicamento cura a doença em mais de 90% dos casos. Existem em Portugal cerca de 13 000 doentes com hepatite C a precisar dele. Custava primeiro 48 000 euros e depois 42 000 euros. Consta que custa a produzir entre 60 e 120 euros. Os custos da investigação justificam esta discrepância absurda? O ministro da Saúde diz que o laboratório tem um lucro de cinco mil por cento com o medicamento. O mesmo governante diz que acaba de conseguir o melhor acordo da Europa, o que pode pressupor um custo inferior a 25 000 euros.
Estaremos no terreno dos dilacerantes dilemas éticos? Ou deveremos encarar a preservação da vida como o valor supremo, perante o qual todos os outros se devem curvar? E desolados face à contingência dos aspectos práticos (como diria Vítor Gaspar – “não há dinheiro”), na impossibilidade de socorrer todos, como hierarquizar o acesso ao medicamento? E é legítimo e aconselhável ceder perante valores que se assemelham a extorsão? E caso se acedesse a pagar uma exorbitância, não seria possível posteriormente contestar em tribunal um eventual abuso de posição dominante?
Enredado nestas interrogações, cedo desavergonhadamente à “demagogia” e dá-me para meditar: dado que o Estado gastou, em estudo e pareceres, 624 milhões de euros em 2011, 471,1 milhões em 2012 e 414,1 milhões em 2013, (tendo orçamentado 580 milhões para 2014), não teria sido possível poupar nestas “gorduras” e tratar alguns milhares de doentes com mais celeridade?
É nesta altura que recordo as declarações do senhor primeiro-ministro, naquele tom entre o pedagógico e o monocórdico, proclamando que “os Estados devem fazer tudo o que está ao seu alcance para garantir os melhores cuidados de saúde mas é mentira que custe o que custar, no sentido em que tenhamos os recursos ilimitados para suportar qualquer preço de mercado, isso não existe nem em Portugal nem em lado nenhum do mundo”.
Recuemos três anos e recordemos um discurso de Passos Coelho, numa sessão com militantes do PSD, num hotel de Lisboa. Referindo-se ao memorando de entendimento, declarou: “…não fazemos a concretização daquele programa obrigados, como quem carrega uma cruz às costas. Nós cumprimos aquele programa porque acreditamos que, no essencial, o que ele prescreve é necessário fazer em Portugal para vencermos a crise em que estamos mergulhados”. Na mesma altura, declarou: “Vamos cumprir o programa custe o que custar”.
Como governante formado na requintada e subtil arte de gerir recursos escassos, Passos Coelho resolveu o dilema. Custe o que custar para executar um programa em que acredita e a cuja concretização não se sente “obrigado”? Indiscutivelmente. Os portugueses aguentam. Custe o que custar para salvar ou aumentar as hipóteses de salvar vidas? Jamais! Os recursos não são “ilimitados”.
Devemos removê-lo do cargo de primeiro-ministro custe o que custar? Seguramente que não. Deixemos a democracia funcionar e, na solidão da cabina de voto, procuremos um melhor intérprete do conceito de “governo do povo pelo povo e para o povo”, entregando-lhe uma nota de despedimento com justíssima causa.