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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

CRÓNICA DE UMA AUTOCRACIA ANUNCIADA

Novembro 15, 2016

J.J. Faria Santos

reddit-1462502320.jpg                                                   Fonte: Vh1.com

 

“Chegou a hora de a América fechar as feridas da divisão, temos de nos unir”, disse o farsante recém-eleito Presidente. Ungido pela nação americana, adoptou uma nova perspectiva acerca de Obama (passou de “fundador do ISIS” a “bom homem” que “alcançou coisas maravilhosas” na sua Administração) e de Hillary Clinton (que de “desonesta” e “corrupta”, ameaçada de encarceramento, passou a ser alguém que “trabalhou muito” e a quem os americanos têm “uma dívida de gratidão pelo serviço que prestou ao país”). Pode o profeta do ódio e da discórdia pregar a reconciliação? Pode o seu peculiar estatuto de outsider sustentar uma credibilidade sucessivamente sabotada pelo próprio discurso assente na superficialidade e no desprezo pela verdade?

 

David Remnick, editor da New Yorker, escreveu, sob o título Uma Tragédia Americana, um corajoso e contundente retrato do cenário pós-eleitoral, onde define Trump como um “vigarista que enganou clientes, investidores e empreiteiros; um homem oco cujas inúmeras afirmações e comportamento reflectem um ser humano de qualidades sombrias – ganancioso, falso e preconceituoso”. Remnick não tem ilusões acerca do mandato que se inicia em Janeiro de 2017 – “Trump não foi eleito com base numa plataforma de decência, lealdade, moderação, compromisso e de defesa do primado da lei; ele foi eleito, principalmente, com base no ressentimento. O fascismo não é o nosso futuro – não pode ser; não o podemos permitir – mas é seguramente assim que o fascismo começa.”

 

Já Masha Gessen, na New York Review of Books, reconhece em The Donald uma originalidade: ser “o primeiro candidato da história a ganhar a presidência depois de ter sido retratado nos media nacionais como um mentiroso crónico, um predador sexual, um incumpridor fiscal em série e um instigador do racismo que atraiu organizações do calibre do Ku Klux Klan.” Mais relevante ainda, segundo a autora, é o facto de Trump se ter candidatado “não a presidente mas a autocrata – e ganhou”. Gessen elenca seis regras para sobreviver numa autocracia sem perder a sanidade: acredite no autocrata (e nas suas intenções anunciadas), não se deixe enganar por pequenos sinais de normalidade, não julgue que as instituições democráticas evitam os abusos, permaneça indignado (mesmo que esteja isolado nessa atitude), não ceda nem colabore (“numa autocracia, a política como a arte do possível é um facto absolutamente amoral”) e mantenha uma perspectiva de futuro (o trumpismo não durará para sempre).

 

Na mesma semana em que a América elegeu Trump, desapareceu Leonard Cohen. O mesmo Cohen que em 1992, no tema Democracy do seu álbum The Future, clamava “I’m stubborn as those garbage bags / that time cannot decay / I’m junk but I’m still holding up / this little wild bouquet: / Democracy is coming to the USA”. Resta esperar que a “teimosia” dos americanos impeça os abusos do tiranete agora enfeitado com as insígnias da democracia. Doutra forma, seríamos forçados a parafrasear Cohen de forma abastardada, bradando que autocracy is coming to the USA.

 

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