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NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

COSTA DISCÓRDIA

Junho 04, 2014

J.J. Faria Santos

                                        Ilustração: vintageprintable.com

 

Duas palavras-chave definem a situação política no principal partido da oposição: seguro e credibilidade.

António José, já se percebeu, é o seguro contra todos os riscos de Passos Coelho. Noutra dimensão, numa quase cruel consciencialização, António José compreendeu que a blindagem dos estatutos e o circuito empenhado pelas concelhias e pelas distritais não constituíam uma apólice inatacável. Pelo contrário, as cláusulas de exclusão ameaçam levá-lo à perdição. Chá e simpatia, afecto e empatia, conglomerados de militantes e conferências e debates com figuras por mais relevantes que sejam, declarações de princípio genéricas e enxurradas de medidas, não chegam para estabelecer uma reputação e sustentar uma candidatura a primeiro-ministro. Mesmo quando se venceu duas eleições e se é o líder político mais popular do país (24,1 de saldo de popularidade), e o partido que se dirige lidera as sondagens com uma vantagem de 11 pontos (Expresso/Eurosondagem, 10/05/2014). A relação de António José com a palavra seguro, no contexto actual, raia o trágico: enquanto adjectivo entrou em perda, enquanto substantivo sempre lhe faltou substância.

O que leva um dirigente da maioria a confessar ao Expresso, ilustrando o impacto nos partidos no poder da candidatura de António Costa, “isto é uma catástrofe!” é o mesmo que permite a Marques Mendes e a Marcelo Rebelo de Sousa alvitrarem que Costa pode chegar à maioria absoluta e resume-se na palavra credibilidade. Vasta experiência política, solidez programática, capacidade de gerar consensos num amplo espectro político-ideológico sem abdicar dos princípios e sem comprometer a eficácia da liderança, para além dessa qualidade intangível e indefinível que é o carisma, são atributos que António Costa possui e que Seguro aspira a conseguir provar ter. Há momentos em que só a ruptura clarifica. Qualquer manobra dilatória terá o mesmo efeito do jogo de recriminações e da inacção e da negação da realidade – será uma manifestação de fraqueza que corroerá a liderança e desestabilizará (mais do que o desafio de Costa) a instituição que é o partido.

Se o calculismo está subjacente a grande parte das decisões do político, é a ousadia de correr riscos em nome das convicções (ideológicas ou pessoais) que define os estadistas. Uma nova esperança emergiu na cena política nacional, e isto é algo que se saúda, mesmo que, como notou António Pedro Vasconcelos no Público, ela traga o risco da decepção. “Habituem-se, porque isto mudou!”, disparou Seguro aos jornalistas, desafiador e combativo. Desconfio que, refém de um estado de negação, percepcionando como uma injustiça a gritante evidência, ele não tenha assimilado o verdadeiro alcance da mudança. Desta vez António Costa não jogou pelo seguro. E Seguro? Dará à costa?

 

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