CONSELHO DE ESTADO INTERRUPTUS
Julho 22, 2023
J.J. Faria Santos
“É um Conselho de Estado para chatear o Governo”, declarou ao Expresso, em off, um conselheiro. Com este ponto único na ordem dos trabalhos, o Conselho de Estado convocado por um Presidente quiçá aditivado com fortimel não ofereceu conclusão robusta nem debate viril. Ao que parece, o primeiro-ministro teve de sair mais cedo para apanhar o avião para a Nova Zelândia e não fez qualquer intervenção, o que terá levado a que o Presidente prescindisse de falar no final da reunião. Marcelo terá sugerido que o debate prossiga em Setembro, razão pela qual é legítimo pressupor estarmos, formalmente, perante um Conselho de Estado interruptus.
Devo advertir os críticos da forma torrencial como Marcelo dispõe do uso da palavra que não se poderá depreender que, a partir de agora, sempre que o PM se abstiver de falar, o PR seguirá o exemplo. A política tem horror ao vazio e o vazio tem horror a Marcelo, e este ainda não descobriu outra forma de destilar o seu veneno em doses não letais senão através do seu prolixo verbo. E ainda bem. Doutra forma, veríamos em breve a imprensa de referência a clamar que Costa calara Marcelo.
Consta que a vedeta da reunião foi o barão do Norte Miguel Cadilhe, que esteve cerca de uma hora a demonstrar como os números positivos da economia podem ser enganadores. Seria de esperar que o douto economista não precisasse de tanto tempo para denunciar o ludíbrio, mas, enfim, nem toda a gente tem o talento para a síntese e a clareza do comentador “independente”- conselheiro Marques Mendes.
O Conselho de Estado interrompido não é um método aconselhável para o controlo da conflitualidade institucional. Mas também não é esse o objectivo da vigilância reforçada do Presidente ao que já chamou de “maioria requentada” (num exemplo de “elegância” discursiva). Marcelo deseja que a conjugação do descontentamento popular com a afirmação da oposição lhe possibilite a convocação de eleições antecipadas no rescaldo das eleições europeias. Se não é certo que as duas condições se verifiquem, um outra Costa, Ricardo Costa, aponta no Expresso um argumento que estraga o cenário: “A fé nas europeias não passa de uma candeia que tremeluz em 2024. Uma maioria absoluta não cai em eleições com abstenção de 69% de eleitores.”
Imagem: Miguel A. Lopes/Lusa