CHEFE, MAS POUCO
Novembro 21, 2021
J.J. Faria Santos
André Ventura, já se sabia, é líder de uma sociedade política unipessoal, com uns estatutos manhosos e uma doutrina pouco consistente que alimenta uma acção política flutuante. O que é surpreendente é a contínua sabotagem da sua autoridade, trunfo inalienável para um líder da extrema-direita. É chefe, mas pouco. Goza de votações norte-coreanas, mas às vezes tem de ir às lágrimas até conseguir eleger a sua direcção.
O partido é temperamental, sanguíneo, delira com as propostas de castração química dos pedófilos (e 38 militantes apoiaram a moção que propunha a remoção dos ovários das praticantes da IVG) ou com o corte até 75% das pensões dos políticos, mas alheia-se das grandes proclamações ideológicas e das tiradas do vice-presidente Gabriel Mithá Ribeiro, que vê Marcelo encavalitado “no topo da pirâmide leninista da espiral do silêncio” (?) que afectará a direita portuguesa. O partido acolhe as propostas que celebram a primazia do instinto, a suprema sabedoria do senso comum, e quem, como Ventura, pregou o desdém pelas elites não pode esperar que a sua palavra seja encarada como ordem divina. (Mesmo que os congressos do Chega pareçam, na descrição de um podcast do Observador, um culto religioso, com “choro, ranger de dentes, homens de joelhos, militantes de braços no ar” e lágrimas). Desacreditadas as elites, como haveria o militante do Chega de reconhecer em Ventura um espírito iluminado incontestado?
Adicione-se a este contexto o espírito independentista insular e temos o caldo de cultura para que o deputado do Chega no Parlamento dos Açores, José Pacheco, desautorize o seu líder, afirmando: “Aqui não há nem fantoches nem totós, nem nada que se pareça. Aqui não há criadagem. A última palavra será sempre minha”. Face a esta declaração com perfume de luta de classes, o intrépido Ventura viu-se forçado a transformar a decisão “fortemente definitiva” de retirar o apoio do Chega ao Governo Regional dos Açores num “cenário não fechado” fortemente indefinido.
Ventura pode ter um discurso fluido, combativo e apelativo, com forte projecção na comunicação social, mas o seu apelo populista e anti-sistema sofre um abalo cada vez que se vê forçado a recorrer aos contorcionismos tácticos que condena nos seus adversários políticos. Aos olhos dos seus correligionários ( e dos seus potenciais eleitores), é uma vergonha que ele recorra à linguagem e às manobras dúbias utilizadas pelos políticos. Enredado no seu percurso ziguezagueante, Ventura pode muito bem vir a descobrir que o joker do seu populismo galopante é insuficiente para ganhar o jogo do voto útil.
Imagem: Paulo Novais/Lusa (dn.pt)