BURBERRY VS. CHANEL (UMA TRAGÉDIA EUROPEIA)
Julho 08, 2015
J.J. Faria Santos
Dizem que a Europa é uma invenção dos gregos. Jacques Le Goff escreveu que a “herança grega é, antes de mais, o gosto pela democracia” e que os gregos “ensinaram os Europeus a desenvolver as virtudes e as capacidades humanas, a ser humanistas”. Na turbulência dos dias que correm, apetece alvitrar que poderão ter fracassado nestes dois propósitos: a União Europeia parece apenas tolerar (e mal) os rituais democráticos, e o seu humanismo aparenta estar soterrado pela avalancha da tecnocracia que vigia o cumprimento da ortodoxia económico-financeira. A visão de uma Europa da civilização e da cultura, da preservação da paz e da dinamização do progresso, capaz de encontrar um denominador comum que a erguesse acima dos interesses particulares de cada nação, sucumbiu ao ressentimento e aos estereótipos.
A expiação da Grécia não terá sido suficiente. Uma quebra no PIB de 26% entre 2008 e 2013, e uma taxa de desemprego que triplicou até atingir 28% em 2013, recuando este ano para os 25,6% não bastam. Medidas de austeridade equivalentes a 16,5% do PIB, que reduziram o défice público para os 3,5%, não chegam. Na visão punitiva prevalecente, o enorme impacto social da austeridade é uma espécie de ressaca necessária para curar o vício do esbanjamento. Falar de direitos é deslocado quando o único dever é pagar. O que se deve. O que se pediu emprestado. Para quê? Para viver à grande e à grega? Não exactamente. Stiglitz escreveu que grande parte do dinheiro emprestado à Grécia se destinou a satisfazer compromissos com credores privados, “incluindo bancos alemães e franceses”, contribuindo assim para a preservação dos “sistemas bancários destes países”.
Joseph Weiler, presidente do Instituto Europeu de Florença, interroga-se em entrevista ao Expresso: “A Europa só serve para fazer dinheiro? É a hipoteca de uma civilização”. E, mais adiante, acrescenta: “Se a Europa se transforma numa empresa utilitária já está morta”. Estará ligada às máquinas. Alimentada por uma cegueira ideológica, por uma estrutura burocrática e por preconceitos que raiam a xenofobia. Agora são os gregos, antes foram os portugueses. Quantos lusitanos não se terão questionado se a Europa connosco não se teria transformado na Europa contra nós?
Erros de cálculo e manobras erráticas terão destroçado a estratégia negocial do governo grego, (oscilando entre o radicalismo impante e o recuo em toda a linha, depois de uma fase inicial em que o cachecol Burberry de Varoufakis pareceu combinar às mil maravilhas com a Chanel couture de Lagarde), mas face à intransigência das instituições (troika era uma designação que evocava um poder incontestável, mas ‘instituições’ tem o seu quê de orwelliano…) a esperança reside nas deliberações da 25ª hora de Angela Merkel. Chegados e este ponto, já não ousamos reclamar por visionários ou estadistas – contentamo-nos, se não com a sensibilidade, com o bom senso de Merkel e com a sua proclamada intenção de evitar que a Alemanha destrua a Europa pela terceira vez em 100 anos. Igualmente relevante é evitar um trágico dano colateral – que o resultado da rebeldia inconsequente dos dirigentes gregos seja a inviabilização de uma alternativa consistente à austeridade punitiva e contraproducente.