BREVES PALAVRAS PARA ASSUNTOS INESGOTÁVEIS
Dezembro 13, 2016
J.J. Faria Santos
Instigada pela Vanity Fair, no contexto do célebre questionário de Proust, a indicar qual o seu bem mais precioso, Zadie Smith respondeu que é a retórica. O elogio da eloquência, da arte de bem manejar as palavras, pode parecer deslocado ou até perigoso em tempos de pós-verdade. Ainda para mais quando se tende a relacionar a retórica com o superficial ou com o afectado e o pretensioso. Porém, convém não desvalorizar o valor da palavra, o seu poder de denúncia ou de persuasão. E não esquecer que é o uso desregrado e enfatuado da retórica que denuncia o demagogo e o prepotente.
Inspirado pela controversa expressão usada em campanha por Hillary Clinton para definir os apoiantes do seu adversário – basket of deplorables – John Cassidy, no sítio da Internet da New Yorker, denomina o conjunto de figuras da administração Trump de cabinet of lamentables. O autor vê as escolhas oriundas da direita radical como uma forma de apaziguar o Partido Republicano: o partido “obtém a sua ‘revolução’ legislativa; Trump mantém o controlo dos seus negócios e promove ainda mais o seu enriquecimento”. E, claro, entretanto vai prosseguindo com o uso inequivocamente deplorável de um sucedâneo de retórica, apelando ao engrandecimento da América.
A terra das oportunidades é também, dizem, um lugar onde se premeia o esforço e o mérito. A meritocracia exclui a compaixão? Encolhe-se os ombros como se fosse necessária uma espécie de via-sacra para se ascender ao Olimpo dos bem-sucedidos? O fracasso é o ferrete dos incapazes? A orgia de consumo e ostentação a que os vencedores se entregam fazem-me evocar as palavras de José Tolentino Mendonça no Expresso do passado fim-de-semana acerca do período pré-natalício: “Ainda que as mãos se atulhem de embrulhos, sabemo-las no fundo vazias, atadas às suas posições invisíveis, incapazes de dar não o inútil mas o que seria preciso, indisponíveis para a tarefa da reparação da vida, equivocadas em relação à verdadeira carência ou ao diagnóstico que fazem da escassez e da lacuna.”