ANATOMIA DA GREI VI - O MAL-RUIM
Junho 25, 2019
J.J. Faria Santos
É uma expressão popular, comummente usada nas conversas do dia-a-dia, brutalmente explícita, longe, portanto, da asséptica e elíptica “doença prolongada”. Através dela não se evoca apenas o puro e simples mal (este suporta-se com abnegação, como se fosse um preço a pagar pelos momentos de felicidade, porque a vida pode ser bela mas não é isenta de riscos), do que se trata é de um género de mutação genética, de uma versão optimizada (na verdade, malignizada). O mal-ruim é uma espécie de traição do nosso corpo, que passa a albergar uma arma letal que se dissemina com um potencial de destruição avassalador.
No caso em apreço, o inimigo interior percorre o corpo de uma mulher insaciavelmente. Não sabemos se executa um qualquer plano ou se derruba defesas e conquista território ao sabor das possibilidades, ou seja, se é oportuno ou se é oportunista. Nem importa. Sabemos que é um mal que num momento parece bater em retirada (do cérebro) e, pouco depois, ressurge em novas frentes (no fígado ou nos pulmões). E sabemos que a mulher exprime incredulidade. Como é que isto lhe foi acontecer? Que esperança lhe restará, é coisa que ignoramos. Sobretudo quando o mal que a corrói resiste ao poder da medicina. Percebemos a revolta e ambicionamos que a próxima etapa não seja a resignação. Não porque reneguemos a pacificação, mas porque isso significaria um precoce fim do caminho.
Que a mulher em questão seja alguém com quem troquei escassas palavras não diminui a minha inquietação. Celebrar a nossa condição humana não se restringe aos mais próximos. A empatia com os fracos e os debilitados é um dever moral a exercer com discrição. Até mesmo à distância e com pudor. É que a compaixão não é como um frívolo like que se põe numa foto de férias ou num post inspirado. A compreensão da dor alheia é, adicionalmente, uma ajuda para sermos melhores pessoas.
Imagem: Wikimedia Commons