Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

NO VAGAR DA PENUMBRA

NO VAGAR DA PENUMBRA

A TROIKA DO PSD NA CÚPULA DO ESTADO

Março 08, 2025

J.J. Faria Santos

José_Pedro_Aguiar-Branco,_Marcelo_Rebelo_de_Sousa

Marcelo Rebelo de Sousa, o dissolvente, sob a capa da magistratura dos afectos, foi acumulando capital político, que depois foi usando numa interpretação criativa dos poderes presidenciais, umas vezes no limite da ingerência, outras vezes na imediação do abuso dos poderes que a Constituição lhe confere. O estilo “presidente do povo” não disfarça um perfil que aprecia salamaleques, cortesias e demonstrações de vassalagem, cuja recusa teve sempre como resultado palavras verrinosas, gestos ostensivos de despeito e expedições esotéricas a caixas multibanco e locais históricos da capital, e até conferências de imprensa informais com correspondentes estrangeiros. Deixou-se enredar numa trama de favores em cadeia, que teve como protagonista o agora mal-amado filho. Insigne criador de cenários e inigualável oráculo do futuro, desbaratou uma maioria absoluta e iniciou o período que ele próprio baptizou de “miniciclos”.

 

Eleito à quarta tentativa presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, o pedagogo, anunciou de imediato que teria para com a bancada do Chega uma atitude “diferente” da do seu antecessor. Dado que todos os deputados tinham sido “eleitos com o voto universal, todos merec[iam] o mesmo respeito”. O Parlamento, explicou, seria o retrato da “diversidade da nossa sociedade”, implicando a convivência com “diferentes formas de estar”. Aguiar-Branco conviveu mal com a “vandalização política” do património nacional quando o partido de Ventura colocou tarjas na fachada do Parlamento com políticos com notas à frente da cara (“uma falta de respeito”, disse), mas convive bem (em nome da “liberdade de expressão”) com discursos de teor racista ou apologistas da violência, com apartes insultuosos e com os comportamentos aviltantes de uma bancada insubordinada que se compraz em rolar na imundície. Aguiar-Branco aposta na “pedagogia” e no “juízo sancionatório” dos portugueses. Os portugueses em casa testemunham a inacção, que é conivência, de um presidente que não quer ser “censor”.

 

Luís Montenegro, o transparente, decidiu exercer o cargo seguindo o estilo de gestão de silêncio do “senador” Cavaco. Na mesma onda, deplorou o “estilo ofegante” da comunicação social e as perguntas sopradas pelo auricular. Ao mesmo tempo construiu uma estratégia comunicacional cuja agenda-setting é potenciada pela presença simultânea de ministros em vários canais de TV, reproduzindo e reforçando as mensagens que pretende fazer passar. Esta mescla de jejum comunicacional com barragem mediática deu curto-circuito com a investigação aos rendimentos e às empresas do primeiro-ministro. Orgulhoso da sua honorabilidade, provocador perante o escrutínio dos seus pares e dos jornalistas, avarento com os detalhes importantes e perdulário com as inutilidades, mostrou-se incapaz de compreender o conceito de conflito de interesses, acabando, em desespero, por ter de assegurar que está “desde a primeira hora em exclusividade total de dedicação à função de coordenação da ação do governo e de representação de Portugal”. Como escreveu Manuel Carvalho no Público, num dos artigos de opinião menos críticos para Montenegro: “(…) um primeiro-ministro de uma democracia não pode ter telhados de vidro. Perante uma suspeita tinha de abrir o jogo, todo o jogo. Falhou e enterrou-se num pântano sem salvação possível.”

 

Marcelo (o dissolvente), Aguiar-Branco (o pedagogo) e Luís Montenegro (o transparente) constituem a troika do PSD na cúpula do Estado, e foram ou são um factor de instabilidade e/ou de degradação da democracia portuguesa, tarefas a que se parecem ter entregado em “exclusividade total de dedicação”.

 

Imagem:https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jos%C3%A9_Pedro_Aguiar-Branco,_Marcelo_Rebelo_de_Sousa,_Lu%C3%ADs_Montenegro_assinam_o_termo_de_sepultura_de_E%C3%A7a_de_Queiroz_no_Pante%C3%A3o_Nacional_2025-01-08.png

1 comentário

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2015
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2014
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2013
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2012
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2011
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub