A SUSPEITA
Outubro 23, 2018
J.J. Faria Santos
Carlos Alexandre estranha uma eventual extinção do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), como foi defendido pelo Conselheiro Henriques Gaspar, então Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e achou a opinião “lapidar” na verdadeira acepção da palavra (apta a figurar na pedra tumular do TCIC?). Nunca tinha ouvido ninguém falar disso, frisou estar a “2000 dias úteis” da reforma, não perspectivar uma nova carreira e, por conseguinte, teria que passar pela maçada de “requerer outra colocação”. Mas acredita nos tribunais e acredita na Justiça.
Carlos Alexandre diz que na distribuição informática dos processos existe “uma aleatoriedade que pode ser maior ou menor consoante o número de processos de diferença que exista entre mais do que um juiz”. Sabendo-se que Ivo Rosa tinha em Julho cinco processos a mais do que o juiz de Mação, e que na altura do sorteio da Operação Marquês já só tinha um a mais, percebe-se a implicação (insinuação?) do farol da “comunidade maçaense”. Que teve de tirar dois dias por causa de um “contratempo pessoal”, o que o impediu de assistir ao sorteio. “Foi apenas uma coincidência”. E ele acredita nos tribunais e acredita na Justiça.
Carlos Alexandre não se vê como “um general preso no labirinto”, antes se coloca na posição de um “náufrago”, mas “acredita que vai sobreviver, pelos menos fisicamente”. A sua narrativa é a da apologia de uma vida modesta, da recusa do epíteto de “justiceiro” porque é apenas “aplicado no trabalho que faz”, e nega sucumbir aos defeitos da “pesporrência” ou da “altivez”. E, no entanto, apesar de fazer questão de notar que as suas decisões têm sido “acompanhadas em sede de recurso”, subjacente a toda a entrevista parece estar a suspeita de manipulação de procedimentos que conduziria à sua exclusão do processo, lançando, mesmo que inadvertidamente, suspeitas sobre o outro juiz do TCIC. E não parece vislumbrar mérito na possibilidade de juízes diferentes liderarem o inquérito-crime e a instrução de dado processo. Mas acredita nos tribunais e acredita da Justiça.
A verdade é que numa época em que o populismo assalta o poder, mais lamentável se torna que um juiz se abstenha de expor as suas preocupações ao Conselho Superior de Magistratura, privilegiando uma “denúncia” pública, ainda para mais repleta de insinuações e meias palavras. No Público, Amílcar Correia notou a ironia de Carlos Alexandre e José Sócrates terem “algo em comum: os dois não confiam no sorteio dos juízes e na imparcialidade de alguns deles”. Já Daniel Oliveira, no Expresso, opina que “ao ter preferido lançar a dúvida pública [Carlos Alexandre] mostrou que não é dado a formalismos e ao recato, como se espera de um magistrado, e que não o incomoda pôr sob suspeita todo o sistema de justiça, apelando à desconfiança popular”.
A entrevista-reportagem emitida pela RTP não escapou a um tom hagiográfico. Com testemunhos de amigos e do padre com quem partilhará confidências. Tivemos em reprise a referência às origens modestas, à sua dedicação ao estudo e às ameaças recebidas. Agigantou-se o seu papel como figura grada e prestigiada de Mação. O próprio reivindicou apoios para a calamidade do incêndio que assolou a povoação (“a casa do juiz escapou por um triz”, rimou o jornalista). Foi mais conversa que entrevista, com o contraditório e a incisividade trocados pelos motes que o juiz glosava. Carlos Alexandre queria passar uma mensagem. Que tenha coberto a Justiça com um enorme manto de suspeição é apenas um dano colateral. La Justice c’est moi, poderia ele ter dito. Se fosse pesporrente, claro.