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NO VAGAR DA PENUMBRA

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A REFORMA ESTRUTURAL É O GAMBOZINO DA POLÍTICA PORTUGUESA

Junho 29, 2025

J.J. Faria Santos

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Em Portugal os poderes públicos e as elites influentes são de uma exigência estratosférica. De um governo não se espera que faça apenas uma gestão competente da coisa pública, que produza uma avaliação das políticas em curso, que introduza mudanças graduais que respondam ao interesse público ou à alteração das circunstâncias, ou que tenha capacidade prospectiva, tudo de forma a assegurar a prosperidade possível e a coesão nacional indispensável. E se o povo é sereno (cada vez menos…) e está basicamente embrenhado na tarefa de gerir as minudências práticas da vida quotidiana (o que inclui essa banalidade que é a sobrevivência), as elites reclamam reformas. Não, tomem nota, uma simples reforma. Não, a reforma tem de ser estrutural. A reforma estrutural é o gambozino da política portuguesa.

 

Fernando Rocha Andrade escreveu em Outubro de 2019 no Jornal de Negócios um notável e sintético artigo sobre esta matéria, justamente intitulado “O mito das reformas estruturais”. Ironizando que “somos o país da reforma estrutural permanente”, o autor começa por notar a incongruência de uma maioria cessante, que se gaba das reformas estruturais que fez, exigir “que o novo governo faça reformas estruturais (dando a entender que as suas reformas não foram tão estruturais como isso).” Depois, sintetiza desta forma o seu ponto de vista: “ São raras, ou inexistentes, as ocasiões em que um Governo pode completar uma alteração estrutural do país com uma arrojada intervenção, como são raras as vezes em que a realidade é assim transformada pelo poder da publicação das leis no Diário da República. Alterações estruturais importantes levam anos ou décadas de políticas públicas que integram muitas medidas tomadas por vários governos.”

 

Na era dos consensos frágeis, das opiniões voláteis e das convicções flutuantes, o conceito de reforma estrutural está sob o poder regulatório das percepções. É este estado que permitiu que se criasse o embuste de que o primeiro Governo de Montenegro foi reformista ou, no mínimo, envolto numa aura de “fazedor”. Em relação ao mais recente, o anúncio de uma medida da ministra da Saúde, que consistirá na criação de uma linha telefónica destinada à gestão informativa das cirurgias em atraso, mereceu do semanário do regime o epíteto de reforma…A reforma estrutural in waiting é a “Reforma do Estado e Guerra à Burocracia”, que é um dos “eixos estratégicos da Agenda Transformadora do XXV Governo Constitucional”. Como não apreciar o voluntarismo expresso nesta abundância de maiúsculas…

 

Miguel Poiares Maduro escreveu no Expresso que “uma reforma profunda [do Estado], que vá além do papel, implica o envolvimento directo do primeiro-ministro (só ele tem a autoridade transversal necessária)”. É precisamente aqui, parece-me, que a coisa se complica. É que a fazer fé nas alterações de posicionamento do primeiro-ministro em relação a matérias como o reagrupamento familiar dos imigrantes, a ética ou a transparência, ele é bastante susceptível a bruscas mudanças de opinião ou atitude, as quais  não podem ser confundidas com uma evolução do pensamento, revelando antes uma inconstância vizinha da táctica, incompatível com a visão estratégica que uma “reforma profunda” requer.

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