A QUEDA
Maio 28, 2014
J.J. Faria Santos
Era uma espécie de primeiro entre iguais. Da sua figura emanava uma aura de poder, autoridade e intocabilidade. Cortejado por governantes, distribuía lisonja com parcimónia à medida dos seus interesses, e aplicava golpes fatais com o irrefutável pretexto do dever. A reputação sofreu o primeiro downgrade com os sucessivos processos judiciais e/ou investigações em que o BES se viu envolvido, em Portugal e no estrangeiro. Depois, veio o episódio da amnésia fiscal: Ricardo Salgado tinha-se “esquecido” de declarar 8,5 milhões de euros em sede de IRS e viu-se obrigado a fazer três declarações de substituição à sua declaração modelo 3 de 2011. Finalmente, surgiram as “irregularidades materialmente relevantes” associadas à Espírito Santo International, que se traduzem na ausência de registo de 1,2 mil milhões de dívidas nas contas de 2012, cuja regularização contabilística implica que a ESI apresente capitais próprios negativos de 2,5 mil milhões de euros.
Salgado, em entrevista ao Jornal de Negócios, fala de “negligência grave”, não dolo. A culpa foi do “commissaire aux comptes”. Assume uma quota-parte da responsabilidade, que distribui também pelos restantes administradores da ESI. Este pouco subtil refúgio no erro técnico e na colegialidade da gestão casa mal com a projecção até aqui de um poder uninominal. E a omnipotência não resiste à derrocada da omnisciência ( não sabia de nada, foi apanhado de surpresa). Na era da informação, a ignorância (como o esquecimento) pode ter uma incómoda intimidade com a incompetência (a progenitora de todas as negligências). Será, porventura, tarde para retiradas estratégicas. Resta-lhe o controlo de danos. E, na retaguarda, tentar redefinir o impacto público da sua saída e a avaliação dos méritos da sua gestão. Ah! E mandar beijinhos em público, numa espécie de inversão da manobra de Judas.